Capital

Protesto cobra permanência de “vagão solitário” na orla e pede mais cultura

Depois de notificação para desativar “Larica’s da Lú” em 12h, único vagão que segue funcionando na Orla Ferroviária deve continuar, diz a Prefeitura, ao menos por enquanto

Tatiana Marin e Izabela Sanchez | 10/04/2019 10:26
Vagão Larica's da Lu, próximo à Morada dos Baís. (Foto: Izabela Sanchez)
Vagão Larica's da Lu, próximo à Morada dos Baís. (Foto: Izabela Sanchez)

Parafraseando Milton Nascimento, a arte precisa ir aonde o povo está e é isso que move Luana Peralta, de 33 anos e cerca de outras 40 pessoas que se reuniram na manhã desta quarta-feira (10). O vagão localizado no começo da Orla Ferroviária, próximo à Morada dos Baís, é o único em funcionamento, mas recebeu, pouco antes das 18h desta terça-feira (9), uma notificação de desativação com prazo de 12 horas. A Prefeitura de Campo Grande informou que vai manter o vagão temporariamente.

A manifestação de descontentamento com a medida contou com pessoas de todas as idades, entre artistas e anônimos, que frequentam o local. O Larica’s da Lu dá vida ao espaço, sediando eventos dedicados à arte e discussão de diversos temas, além de lanchonete. Luana, que também é servidora pública, começou a investir no vagão e na área ao redor há 9 meses, com recursos próprios, realizando manutenção, limpeza e pintura do local.

Luana e participantes da manifestação. (Foto: Izabela Sanchez)

Com poucos espaços dedicados ao lazer e à arte restando em Campo Grande, o primeiro vagão da Orla, e o último a permanecer em pé após à política de retirada das estruturas iniciada pela Prefeitura de Campo Grande, serve de resistência, inclusão e convivência, já que recebe famílias e também da atenção à uma parcela da população que sobrevive à margem da visibilidade: os dependentes químicos.

O sobrenome não é coincidência e Luana é irmã da cantora de reggae Marina Peralta. Com mudança marcada para São Paulo para desenvolver a carreira musical, a artista também participou do protesto e conta o carinho que os dependentes químicos tem com Luana. “Elas a chamam de madrinha e acabam cuidando do lugar”, conta.

Entre os participantes do protesto, os discursos externam as críticas contra a falta de espaços democráticos de cultura em Campo Grande e da higienização da cidade nas áreas ocupadas pelos de dependentes químicos.

Vagão Larica's da Lu, único em funcionamento na Orla Ferroviária. (Foto: Izabela Sanchez)

Com a família engajada na questão cultural, a tia de Luana, Lidia Peralta, funcionária pública de 59 anos, ressalta que aquele é o “único vagão que está atendendo o projeto inicial da Prefeitura para o local”. “É uma tristeza não ter essa sensibilidade. É muita injustiça, aqui se reúnem todas as minorias, essa parcela está muito carente”.

O pai, Raul Peralta, de 56 anos, que é professor, conta que Luana sempre lidou com eventos de arte. “Ela tem batalhado muito. É o que a gente tem batalhado. Não tem muitos espaços culturais, é um empoderamento da população. Se a ideia fosse mudar esse espaço, fazer com que todos os vagões funcionassem, seria muito mais viável”.

Marina relembra como Luana iniciou com eventos ambulantes e quando ocupou o vagão, o local “passou a ser um ponto de cultura marginal”. “É é triste, o vagão consegue trazer muita vida para o espaço, estabelecemos uma vivência muito legal aqui. É bem resistência mesmo. Nunca tiveram problema com polícia”, detalha Marina.

A cantora Marina Peralta, irmã de Luana. (Foto: Izabela Sanchez)

A cantora ainda esclarece que entende a motivação da remoção dos vagões, por conta do abandono e destruição, mas destaca que a estrutura ocupada por Luana está em funcionamento. “Este é o único que está funcionando e estamos em um momento em que espaço para a cultura estão reduzidos”, defende.

O ator do grupo teatral Imaginário Maracangalha e professor de teatro, Renderson Valentim, de 37 anos, traça a linha do tempo em relação à história dos vagões. “Tinha esse espaço aqui e o objetivo era dar vida ao trem. Mudaram a lei na surdina, e retiraram o trem. Quando foram instalados (os vagões), o projeto trazer arte e cultura, só que as autorizações foram distribuídas para igrejas, não teve chamamento público. Hoje é o único vagão que cumpre propósito inicial”, diz sobre o Larica’s da Lu.

Larissa Mendes, de 23 anos, mães de um filho, conhece o projeto de Luana desde o começo. “O movimento começou fraco no vagão. Acho que nem ela esperava que fosse crescer tanto. É um espaço maravilhoso de ser ocupado. É um ponto estratégico, é uma pena que isso esteja acontecendo. É uma total repressão e Campo Grande é uma cidade de coronéis”, critica.

Luana se emocionou com o apoio. (Foto: Izabela Sanchez)

Quando Luana chegou ao local, já várias pessoas se reuniam e foi recebida com palmas. Emocionada, ela ressaltou como está tá fazendo arte e cultura de forma independente e com investimentos próprios para reforma, manutenção e limpeza do espaço.

Notificação emitida pela Prefeitura. (Foto: Izabela Sanchez)

A notificação foi recebida às 17h45 com prazo de 12 horas para desocupação. “Não faz sentido. Às 6 horas da manhã não tem nenhum órgão público aberto”, atenta ela. Apesar de trabalhar como funcionária pública, o vagão é meio de sobrevivência dela e seus 4 filhos. “Tenho vontade de largar a prefeitura, mas não largaria o vagão. É mais que um emprego”, define.

Além da tentativa de manter o projeto, Luana também busca assegurar a situação da ocupação do espaço, já que ela aluga o vagão de outra pessoa para a qual a estrutura está cedida.

Uma comissão foi criada para discutir a situação diante dos órgãos públicos responsáveis. A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande que informou que “vai analisar a questão contratual e, por enquanto, vai manter este vagão”.

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