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Para quem vive em região de desova de corpos, coragem vem de “ajuda celestial"

Área do Córrego Ceroula na saída de Rochedo acumula ocorrências sinistras distribuídas entre cachoeiras do Ceuzinho e Inferninho

Aletheya Alves | 17/11/2020 09:30
Moradora diz que imagens religiosas são única fonte de coragem. (Foto: Kísie Ainoã)
Moradora diz que imagens religiosas são única fonte de coragem. (Foto: Kísie Ainoã)

Chega a ser difícil contabilizar todas as ocorrências sinistras registradas nas duas principais cachoeiras de Campo Grande. Batizadas de "Ceuzinho" e "Inferninho", os nomes ganharam peso da ironia diante de tantas "desovas" de corpos. 

Na zona rural da cidade,  uma fica depois da outra, na saída para Rochedo, Mato Grosso do Sul. Quem mora na vizinhança conta que a coragem só aparece mesmo com a fé na “ajuda celestial”. 

A região tem espaços industriais, mas também muitas chácaras, recantos e estâncias que se distribuem pelas 2 áreas. Nesses locais os relatos são de cenas de carros queimados, homens ensanguentados pedindo socorro e histórias sobre gente enterrada. 

Policial observa corpo encontrado na região do Ceuzinho em maio. (Foto: Paulo Francis)

Desde maio, 3 corpos foram encontrados na Cachoeira do Inferninho. Por coincidência, o mesmo número registrado no Ceuzinho. 

Acostumada em acionar bombeiros e polícia, moradora que preferiu não se identificar conta que só enxerga proteção real vindo de duas imagens religiosas.. 

Meu irmão morava aqui e quando saiu disse que eu precisava deixar esse Jesus e essa santa aqui. Eu sou evangélica, mas acredito que protegem mesmo porque com a gente nunca aconteceu nada de ruim.

Aos 55 anos, ela narra que os problemas variam entre lixo deixado nos arredores das cachoeiras, discussões com facadas e acerto de contas. “A gente fica com medo, mas se eles saem de lá e aparecem pedindo socorro não tem o que fazer, precisamos dar ajuda”, disse. 

Moradora diz que acionar Corpo de Bombeiros e Polícia na região é quase rotina. (Foto: Kísie Ainoã)

Sem precisar puxar muito na memória, a mulher diz que nos últimos fins de semana a região recebeu homem com ferimentos de faca abandonado na estrada e outro ensanguentado sem explicação. “Às vezes bate um desespero e pensamento de que quero ir embora daqui porque chega uma hora que cansa de tanta coisa assim acontecendo”. 

Cansada dos problemas com aparições indesejadas, a moradora relata o mal uso das cachoeiras.  “Tem gente que vira a noite por ali e você nunca sabe o que estão fazendo. Droga, tiro, música alta, tem tudo isso e muito mais. Isso que ali no Ceuzinho é área de Energisa, nem poderia ter gente”. 

De acordo com assessoria da Energisa, a área é realmente privada e não existe autorização para circulação de pessoas no local.

Mitos sobre corpos abandonados na região vão até para dentro das casas. (Foto: Kísie Ainoã)

Ainda conseguindo ser pior do que a realidade, a imaginação sobre os arredores da região leva até mitos de corpos enterrados por ali, sob o solo da área na saída para Rochedo. É como se fosse impossível, até em sonho, superar o histórico de ocorrências policiais nas proximidades da água. 

O povo diz que embaixo do piso da minha cozinha tem um poço com gente morta, até essas histórias dão medo, né? O jeito é pedir proteção para Deus e confiar Nele porque não tem muito o que fazer. 

Narrativa de sangue - Relembrando apenas ocorrências recentes que chamaram atenção nas cachoeiras, o histórico envolve homem pedindo socorro cuspindo sangue, corpos encontrados e briga com esfaqueamento. 

A última informação noticiada pelo Campo Grande News foi no dia sete de novembro, quando Elison Brites, de 24 anos, foi resgatado pelo Corpo de Bombeiros Militar. O jovem entrou em chácara da região “vomitando sangue” com sinais de espancamento e riscos de faca. Já em setembro, um corpo foi encontrado no Inferninho sem sinais de violência. O cadáver foi localizado caído em penhasco que fica na entrada da cachoeira. 

No mesmo mês, Ronaldo Nepomuceno Neves, de 48 anos, foi morto e teve o corpo carbonizado na região da Cachoeira do Ceuzinho após briga dentro de boate no Bairro Cabreúva. 

Corpo retirado da Cachoeira do Inferninho em setembro deste ano. (Foto: Marcos Maluf)

(*) Matéria atualizada às 17h11 para acréscimo de informações. 

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