Capital

No Natal dos solitários, a tristeza de quem saiu de casa e não mais voltou

Ângela Kempfer e Mariana Lopes | 24/12/2012 14:41
Luciano de Jesus, de 34 anos, veio de Minas Gerais. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Luciano de Jesus, de 34 anos, veio de Minas Gerais. (Foto: Rodrigo Pazinato)


Até o ano passado, o Natal era em família. Este ano “sou eu e Deus”, diz Luciano de Jesus, de 34 anos. Ele é de Carlos Chagas, Minas Gerais, e há 20 dias está em Campo Grande, para trabalhar como pedreiro. Quando chegou, não encontrou serviço e acabou na rua, “morando” na praça do Mercadão Municipal.

Nesta semana, a equipe do Cetremi (Centro de Triagem do Migrante) passou pelo local, ofereceu acolhida e ele aceitou. Por intermédio do órgão da Prefeitura, conseguiu emprego em uma obra, mas ainda está distante de voltar para casa.

O primeiro pagamento foi direto para os filhos de 6 e 3 anos e a casa passou a ser barraco no Jardim Noroeste. No Natal, fica a tristeza. “Se a gente tivesse tudo o que a gente queria, as coisas seriam mais fáceis” , e também a vontade de ser diferente. “Até queria estar com a minha família, mas tenho de trabalhar”.

Luciano é um dos solitários em Campo Grande, que este ano experimentou o pior da cidade, viver na rua, um lugar que com o tempo consome as lembranças.

Holanda Nogueira de André, uma senhora que nem sequer sabe a idade.
João David de Nunes, 61 anos, um dos solitários neste Natal.

Foi assim com Holanda Nogueira de André, uma senhora que nem sequer sabe a idade. Do pouco que ainda restou, após anos vivendo sob o céu, ela só lembra que é de Ribas do Rio Pardo.

Entre algumas informações coerentes e outras que parecem inimagináveis pela sordidez, a mulher franzina conta como chegou a esse Natal sem ninguém. “Briguei com minha sobrinha, apanhei com um fio de energia e resolvi sair de casa”.
Da briga, restou o olho esquerdo cego . Dos bons tempos, ficaram recordações de quando a festa era em família.

“Passava o Natal em casa, com os pais e os meus irmãos. Mas esse vai ser o primeiro longe deles e de Ribas”, lamenta.
No Cetremi, são diferentes histórias, mas todas de pessoas que um dia foram parar na rua e nunca mais conseguiram sair.

João David de Nunes, 61 anos, tem formação técnica em Geologia. Mesmo assim, há 4 anos está nas ruas. “Eu tinha tudo, carro, casa, situação financeira boa”, garante.

Em 2005 a esposa ficou doente, o casal foi para São Paulo buscar tratamento e como não tinha plano de saúde, começou a vender os bens para bancar o hospital. Três anos depois ela morreu e João entrou em depressão. “Não consegui sair mais da rua”, lembra.

Em 2010, na base da carona, conseguiu sair de São Paulo e chegar a Água Clara para fazer “bicos” em fazendas. Voltou para Campo Grande com R$ 2 mil no bolso e quando desceu na rodoviária teve um derrame. “Acordei no hospital, sem nada. Me roubaram tudo”.

Desde 2008 o Natal nunca mais foi o mesmo, porque a esposa era “tudo que tinha”. Mas como nada vai mudar isso, o presente que João queria ganhar neste Natal era tratamento médico contra trombose. “Para trabalha e reconstruir a vida”.

Hoje, os três vão jantar no Cetremi. O Natal terá como convidado um grupo de religiosos e oração.

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