Capital

Mulheres denunciam injúria racial depois de serem acusadas de furto

Mulheres foram levadas para revista no fundo da loja e denunciaram tratamento dos vendedores, da PM e PC

Silvia Frias e Clayton Neves | 07/05/2020 11:15
Brinquedo que menino retirou da sacola e foi visto na filmagem, gerando a acusação de furto (Foto/Reprodução)
Brinquedo que menino retirou da sacola e foi visto na filmagem, gerando a acusação de furto (Foto/Reprodução)

Três mulheres negras foram acusadas de furtar um brinquedo em loja na região central de Campo Grande, situação que terminou com registro na Polícia Civil. Elas questionam a conduta dos vendedores, da PM (Polícia Militar) e do policial ao fazer o boletim de ocorrência, em que não conseguiram qualificar como injúria racial.

A dona de casa, de 44 anos, foi ao centro para fazer compras com a filha, de 18 anos, a nora, de 22 anos, e o neto, um menino de 1 ano e oito meses. Por volta das 17h30, entraram na loja Good Variedades.

Enquanto elas estavam no local, a dona de casa diz que o neto tirou da sacola um dos brinquedos que havia comprado em outra loja e colocou na gôndola. Segundo ela, a filha recolocou entre as compras. 

A dona de casa diz que a filha foi ao caixa para pagar por um produto que escolheu, enquanto a cunhada foi para a porta da loja. Nesse momento, uma vendedora se dirigiu a um colega e disse: “Corre atrás daquela negra, que aquela negrinha colocou objeto na sacola”.

A dona de casa diz que o vendedor trouxe pelo braço outra mulher negra e a vendedora afirmou que não era essa. “Ele pegou minha nora pelo braço e disse ‘vamos para a cozinha’”.

A mulher percebeu o que tinha acontecido, foi tirar satisfação e disse ter ouvido algumas vezes que a “negrinha deu objeto e a outra negra guardou na bolsa”. Na discussão, alega ter sido empurrada pelo funcionário, pois se recusava a deixar a nora ir para os fundos da loja e, se ocorresse, ia chamar a polícia.

Filmagem da loja foi usada como base para acusação de furto (Foto: Henrique Kawaminami)

Os vendedores teriam bloqueado a passagem da porta para que elas não saíssem e diziam que a filmagem mostrava o objeto sendo retirado da gôndola e colocado na sacola. 

Depois da chegada do policial militar, todos foram para os fundos do estabelecimento e as mulheres retiraram os objetos das sacolas e da bolsa para mostrar que não furtaram nada e que o brinquedo, ainda plastificado, fazia parte da compra feita em outra loja. No áudio, é possível ouvir que uma delas que quer registrar boletim de ocorrência contra a loja e a resposta do PM: “Essa é uma situação muito complexa”.

A dona de casa diz que o PM tentou demovê-la do registro da ocorrência, dizendo que somente seria possível se tivessem testemunhas, que foi um mal entendido e da dificuldade do registro no período de pandemia do novo coronavírus. Um homem que presenciou os fatos estava próximo se prontificou a ir à Polícia Civil. “Nós saímos como ladra dentro da loja, escoltadas”.

Na Polícia Civil, mãe e filha dizem que o boletim não foi registrado exatamente como as coisas ocorreram e queriam que constasse a qualificadora do crime racial. Porém, o registro foi de injúria e calúnia.

A advogada Silvia Constantino, da Comissão da Igualdade Racial da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil de MS), disse que a qualificadora do fator racial deveria constar no registro da ocorrência, até para que a investigação e posterior denúncia possam ser desenvolvidas de forma correta.

Segundo ela, a comissão foi acionada e irá acompanhar a condução do inquérito e posterior denúncia do caso.

O delegado João Eduardo Davanço, do 1º DP, garante que a Polícia Civil prestou atendimento, constando os fatos como foram denunciados e que tudo será apurado. No boletim, por exemplo, consta que foi a criança que colocou o brinquedo na gôndola e, depois, de novo na sacola, diferente do relato feito pelas mulheres à reportagem. 

Sobre a qualificadora, explicou que o registro não é o que a pessoa quer, mas o fato relatado. “Se isso foi em detrimento da cor, vai ser apurado”. 

Davanço diz que o importante é o histórico conter todos os fatos relatados e, caso seja constatado a qualificadora, a injúria racial poderá ser incluída na investigação a qualquer momento.

A reportagem entrou em contato com a PM sobre o procedimento do militar, e aguarda retorno.

A reportagem também entrou em contato, por telefone e de forma presencial na Good Variedades. A informação é que os proprietários não estavam. O vendedor citado pelas mulheres disse que não empurrou Adriane e também não teria ocorrido menção à questão racial.


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