Moradores de rua se espalham e tomam conta da cidade por esmolas
Em uma passagem rápida pelas ruas de Campo Grande, é fácil encontrar um morador de rua, ou grupos deles, dormindo em calçadas ou pedindo dinheiro em semáforos. O problema não é novo, mas o fato de vermos mais mendigos é explicado pelos próprios moradores de rua e confirmado pela SAS (Secretaria de Assistência Social), que fala em 2 mil indigentes espalhados em diferentes pontos da cidade.
A antiga rodoviária, ponto tradicional de concentração de moradores de rua, já não é mais tão lucrativa para aqueles que dependem de esmolas para sobreviver. A solução é ir para ruas próximas e com grande fluxo de pessoas, como a avenida Afonso Pena, Ernesto Geisel e no entorno do Mercado Municipal.
Na rodoviária velha ficam os próprios moradores de ruas, a maior parte deles usuários de drogas e álcool, ou os comerciantes remanescentes do abandono de depois que a rodoviária mudou de lugar. Por lá, existem vários espaços improvisados onde os moradores dormem, mas, durante o dia, se dispersam para conseguir dinheiro.
“Fica na rodoviária só quem já conseguiu o dinheiro para passar o dia, e isso você não consegue lá né? Viciado vai pedir dinheiro para outro viciado?”, resume o morador de rua Mário Luiz Lima de Souza, 27 anos, que há oito meses saiu de Araçatuba (SP) e veio parar na Capital, sem endereço fixo.
“Minha localidade atualmente é a avenida Afonso Pena”, conta Mário, que se mantém nas proximidades por não conhecer outros lugares da cidade e só se desloca quando tem que trocar de semáforo, por causa da concorrência com outros pedintes.
Lúcido e receptivo, o jovem deixou a mãe – que, segundo ele, deu “tudo que precisava, estudo, casa e comida” - na cidade do interior de São Paulo há 14 anos e foi viver nas ruas depois que a vontade de beber passou a interferir no convívio familiar.
O dinheiro para comprar “um corotinho”, vem dos próprios motoristas. “Nunca menti não. Não faço malabares, não sou artista. Peço o dinheiro, e pronto, e se me perguntam para quê eu digo que é para comprar bebida”, acrescenta dizendo que lucra pelo menos R$ 70 por dia pedindo no semáforo.
“Dá para viver melhor que no Cetremi, por exemplo. Tiro um pouco para comer, compro minha bebida e ainda pago por um banho nesses pensionatos aqui do centro”, explica a rotina, comparada à do Centro de Triagem e Encaminhamento ao Migrante da prefeitura, que oferece hospedagem provisória para moradores de rua até que eles arrumem um emprego.
“O complicado é que não dá para trabalhar para trabalhar porque tô sem documentos, sei os números de cor, mas perdi e ninguém contrata gente sem documentos”, justifica Mário sobre o fato de não arrumar um meio formal de se sustentar.
Mário consegue abafar as dificuldades de morar na rua, mas não são todos que saem ilesos da mesma forma. Elizabeth, 40 anos, mal conseguia falar, apenas o suficiente para dizer o nome, idade e que sobrevivia de dinheiro pedido na rua, enquanto não pestanejava em comer restos de comida encontrados em um saco de lixo.
Já Ana Paula, 34, é velha conhecida dos comerciantes da rodoviária velha e dos próprios companheiros de rua. “O Cetremi é bom, bom sim. Já fui várias vezes para lá. O problema é que é longe para caramba e quando acaba a bebida, não tem como conseguir. Aí tem que pegar um monte de ônibus e voltar para cá, onde tem quem vende as paradinhas, entende?”.
Ela afirma não sobreviver sem bebida alcoólica ("dói o fígado e saio batendo em quem estiver na minha frente"), mas, enquanto o dinheiro for suficiente para comprar pinga, vai ficar na rua. "Só vou pro Cetremi quando a fome aperta e preciso tomar um banho".
Não dê esmolas - Hoje, 98 moradores estão abrigados no Cetremi. A maioria deles não são moradores permanentes e passam, em média, três dias no centro. Os que ficam são idosos que não teriam condições de sobreviver nas ruas, o restante, passa um tempo, a fim de obter assistência e, em seguida, volta para o lugar de onde saíram, já que a hospedagem é voluntária.
A recomendação da Secretaria de Assistência Social é para não dar esmolas aos moradores de rua. A prática, ao invés de ajudar, incentiva e possibilita a permanência de pessoas nas ruas.