Capital

Longe da universidade pública, estudante sai com diploma e dívida de R$ 70 mil

O custo do ensino superior é alto para quem precisa pagar e mora num Estado onde a rendimento médio do trabalhador é de R$ 2.150

Aline dos Santos | 03/08/2020 14:56
Osvaldo pronto para a festa de formatura do curso de Direito: realização de um sonho, mas que custa caro. (Foto: Arquivo pessoal)
Osvaldo pronto para a festa de formatura do curso de Direito: realização de um sonho, mas que custa caro. (Foto: Arquivo pessoal)

Há dois anos, quando concluiu o tão sonhado curso de Direito, Osvaldo Filho, 31 anos, levou da experiência na faculdade o diploma e uma dívida que calcula em R$ 70 mil do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), criado para facilitar o acesso dos mais pobres ao ensino superior. 

Enquanto o “público” da universidade pública é na maioria egressos do ensino privado, quem ficou de fora das instituições gratuitas precisa procurar formas de não ver a parede de diplomas ficar só com o certificado do ensino médio. 

Em 2012, Osvaldo estava otimista com o financiamento de 100% do programa, que lhe permitiu custear mensalidades de R$ 700 no começo do curso aos R$ 1.400 mensais cobrados no último ano. 

“Hoje, dentro da atual realidade, percebo que não é tão viável pagar. Mas na época não tinha outra opção. Era a única dentro da minha possibilidade. No último ano do ensino médio, cheguei a estudar numa escola particular, pensando em tirar boa nota e conseguir ir para a universidade federal. Não consegui e isso me barrou no Prouni”, conta. 

O Prouni (Programa Universidade para Todos) converte impostos não pagos por instituições privadas de ensino superior em vagas para alunos de baixa renda.

O programa concede bolsas (integral ou de 50%), mas o candidato deve ter cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em escola da rede privada como bolsista. Como Osvaldo fez o terceiro ano do ensino médio na condição de aluno pagante em escola particular, não pôde tentar uma vaga. 

Com o Fies, o então acadêmico deixou a fatura da universidade para pagar depois de formado. Já para se manter durante o curso, que exige gastos como compras de livros e participação de congressos,  trabalhava de dia para estudar à noite. 

“Toquei o curso trabalhando no varejo, em loja de shopping. Também fazia estágio voluntário e a faculdade à noite”, afirma. 

Um ano e seis meses após concluir a graduação, começou a pagar R$ 400 mensais  do financiamento estudantil. Ele avalia que o prazo de carência de dezoito meses é muito curto numa profissão que se leva de cinco a dez anos para fazer uma carreira. Essa é a perspectiva de tempo para quem não tem sobrenome tradicional no Direito e não herdou uma cartela de clientes. 

“Estou conseguindo pagar o Fies. Mas é suado. Já tive alguns atrasos e consegui regularizar. Atualmente, faço freelancer na área, mas nada garantido. Também não consigo fazer uma pós-graduação ou planejar o financiamento de um imóvel”, diz.

Osvaldo vai pagando, mas nem se lembra de quantos anos vai levar para quitar a graduação e calcula o valor em R$ 70 mil. Durante o curso, ele pagava R$ 50 a cada três meses para amortização de juros. 

“Pensei que depois de formado ia trabalhar na área e daria tudo certo. Não imaginava que o mercado estaria tão concorrido e tão desvalorizado assim”, diz, Osvaldo. 

Luany está na reta final do curso de Jornalismo em universidade particular. (Foto: Gabriel Ribeiro)

Viver de salgado, salário de R$ 600 e dormir no coletivo 

Na reta final do curso de Jornalismo, Luany de Britto Mônaco, 22 anos, tem uma história de sacrifícios para contar. Primeiro, o ensino superior trouxe a oportunidade que muito desejava: trocar Corumbá por Campo Grande. 

Filha de pai autônomo e mãe professora, ela será a segunda da família a ter diploma de graduação. Desde criança viu no esforço familiar, que se desdobrou para mantê-la em colégio particular, a relevância da educação. “Como diz minha avó, a educação ninguém pode tirar de você”. 

Com nota que lhe permitiria cursar Jornalismo na universidade pública ou na privada, acabou escolhendo a segunda e obteve financiamento de 92,30% do curso. “Até hoje fico pensando, que escolha horrível eu fiz. Vou ter que pagar muito”, diz. 

Mas na época, pesou o fato de a universidade pública estar em greve e Luany cheia de vontade de estudar. Durante o curso, ela sempre contou com o apoio financeiro da família, mas houve momentos mais difíceis, como quando a mãe ficou desempregada. 

No primeiro semestre, ficava mais de duas horas no ônibus para percorrer a distância entre a casa do tio e a universidade.

“De tão cansada, dormia no ônibus quando voltava para a casa. O motorista me acordava e falava: moça, a gente já está indo para o ponto final”, recorda.

Para dar um reforço nas finanças, conseguiu emprego em lanchonete  na universidade. O salário era de R$ 600. “Vivia de salgado, que distribuíam para os funcionários no fim do dia. Mas não conseguia acompanhar o ritmo nas aulas, sentia que estava sendo deixada para trás”, afirma. 

A remuneração melhorou quando recebeu um salário mínimo no primeiro estágio. “Foi a glória para mim. Eu tinha um serviço e nunca tinha visto tanto dinheiro na vida”.

Atualmente, paga no máximo R$ 90 de mensalidade. Após concluir o curso e passados os 18 meses da carência, vai chegar a fase de amortização, ou seja, pagar o Fies.

 Ela conta que por enquanto nem olhou o tamanho da dívida, mas se sente agradecida pela oportunidade de ter um diploma do ensino superior. “Nunca tive uma possibilidade de crescimento profissional tão grande”. 

"Paguei quase R$ 11 mil por seis disciplinas" 

Em busca de melhores oportunidades profissionais, Clayton Barbosa, 42 anos, decidiu concluir a graduação de Educação Física, que trancou em 2006. Para obter o diploma, precisava cursar seis disciplinas, mas o fim da faculdade ia custar quase R$ 13 mil. Detalhe: pago no máximo em três parcelas no cartão de crédito. 

“Paguei R$ 25 pelo relatório de disciplinas a cursar e descobri que faltavam seis disciplinas. Mas como a minha grade curricular é antiga, precisei cursar de maneira diferente, de uma forma orientada, o que aumenta o valor da hora aula”, afirma. 

Parte do valor transferido por aluno que, ao todo, pagou R$ 10,8 mil por seis disciplinas. 

Sem cartão de crédito capaz de suportar valor tão alto, a única opção seria um empréstimo bancário. Ele conta que só conseguiu finalizar o curso porque teve a ajuda de um anjo, um parente que tirou dinheiro do banco para lhe ajudar. 

Com o pagamento em duas parcelas, mas à vista, o  valor foi de R$ 10,8 mil. “Se não tivesse esse anjo, não estaria aqui falando essa história, seria outro final”, afirma. 

Em Mato Grosso do Sul, onde moram os entrevistados, a renda média do trabalhador é de R$ 2.150. O dado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios ajuda a mensurar o impacto do alto custo do ensino superior para quem fica de fora da universidade pública. 

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