Capital

Lei cria “cota indígena” em desfiles de datas comemorativas e divide opiniões

Projeto de lei do vereador Handerson Fritz (PSD) assegura que grupos indígenas participem dos desfiles cívicos e eventos culturais em Campo Grande

Izabela Sanchez | 27/03/2019 11:48
Terenas durante desfile de escola de samba de Campo Grande em 2017 (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Terenas durante desfile de escola de samba de Campo Grande em 2017 (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

Desfilar, exibir danças e artesanatos e assegurar representatividade e promoção da “face” indígena da cidade ou “objetificar” e fazer dos índios um instrumento de exibição pública. São duas das opiniões que giram em torno de uma lei aprovada pelo Prefeitura de Campo Grande. Projeto de lei do vereador Handerson Fritz (PSD), a ideia é assegurar a presença de povos indígenas em desfiles cívicos e eventos culturais de Campo Grande.

Sancionada, a lei 6.175 foi publicada no Diário Oficial de Campo Grande nesta quarta-feira (27) e será regulamentada em até 90 dias. O vereador autor do projeto opina que em todos os desfiles há representações dos povos que formaram a identidade da Capital, o que não ocorre com os povos indígenas.

“A gente observa que em todos os desfiles cívicos temos vários fragmentos de povos que contribuíram com a nossa formação cultural, e observamos que não tem indígenas. É para garantir representatividade, a gente tem o mercadão, as índias, as aldeias urbanas, que foram as primeiras no Brasil. A gente precisa valorizar isso”, comenta.

Fritz explica que o projeto foi antecedido por reuniões com as comunidades indígenas da cidade, a exemplo da Marçal de Souza, aldeia urbana, e as áreas que aguardam regulamentação, Vila Romana e Santa Mônica.

“Nós fizemos reunião com as comunidades indígenas da Marçal de Souza, Inápolis, Vila Romana e Santa Mônica, onde apresentaram algumas danças. É no sentido de fomentar [a cultura], a coordenação [coordenação indígena da Prefeitura] iria fazer essa intervenção, com ajuda para que se mantenha a questão da roupagem. Não temos no município nenhuma atuação para resgatar a cultura, seja a alimentação, dança ou artesanato. O objetivo é dar visibilidade”, diz.

Conforme o vereador, a presença nos eventos poderia ser articulada junto ao poder público pelo conselho indígena. “Poderiam determinar que cada aldeia urbana seja representada de uma forma”, afirmou.

Índio “fetiche” – Ainda assim, não é unânime a opinião de que participar dos desfiles promova representatividade. É o que pensa a Terena Évelin Hekeré, que vive em Campo Grande, e argumenta que, ao contrário, promove “objetificação” dos indígenas. Évelin é natural da Aldeinha, em Anastácio, a 135 km de Campo Grande e é mestre em educação.

“Esse projeto de certa forma visa ‘homenagear’ os povos indígenas, mas ao focar no ‘descobrimento’ do Brasil, tentando ‘silenciar’ essas marcas que os povos indígenas carregam há 519 anos. Isso objetifica os indígenas que residem aqui em Campo Grande nas comunidades urbanas, rotulam a história de um povo”, diz ela, que é contra a participação em desfiles em datas como o 7 de setembro, independência do Brasil.

Para a Terena, os projetos também não são comunicados às comunidades. “Na verdade as bases não são comunicadas, normalmente quando se tem algum representante indígena no órgão Municipal o mesmo não faz o repasse”, argumenta. “Temos um representante indígena dentro da pasta municipal, essa proximidade, esse diálogo, só fica intenso na mês indígena , abril, ou em campanha eleitoral”.

“Os vereadores têm que estar mais presentes nas comunidades, ouvir as demandas das comunidades. Existem pautas com mais urgência do que desfile cívico, a exemplo da qualidade da cesta alimentar que está sendo distribuídas nas comunidades e o atraso das mesmas, aceleramento das casas para as famílias indígenas em áreas precárias, sem saneamento básico”, comentou.

Visibilidade indígena – Morador da aldeia urbana Marçal de Souza, mas natural da aldeia Limão Verde, em Aquidauana, a 135 km de Campo Grande, Sidney Terena é jornalista e administra o site “Voz Indígena”. Ele acredita que o projeto pode trazer visibilidade aos povos indígenas perante a sociedade da Capital, mas afirma que para isso a Prefeitura deve garantir a estrutura necessária.

“Nós já participamos de desfiles cívicos com cultura, com participação de alunos indígenas de escola. Pode ter outro objetivo, você garante a participação, mas você também garante a estrutura, pode ser que tenha alguma coisa ligada a isso, não basta garantir e a comunidade indígena, às vezes, não ter a estrutura para participar, a questão de transporte e do deslocamento, atenção para crianças e jovens e anciões”, comenta.

Sidney diz que a participação dos indígenas em desfiles é importante, porque a sociedade campo-grandense “desconhece a vivência indígena dentro do município”. “Uma vez que temos 4 aldeias urbanas e além das 4 temos 10 comunidades que estão em processo de regularização, como Santa Mônica, uma parte da Água Bonita e Vila Romana, e no Jardim Noroeste, a comunidade estrela do amanhã”, comenta.

“Agora, se faz um projeto, mas não tem apoio de estrutura, fica elas por elas. As comunidades indígenas podem ter uma visibilidade e a sociedade muda a forma de enxergar as comunidades no sentido cultural, pode ser que no decorrer das experiências isso mude o modo como a sociedade vê os povos indígenas. Também acredito que há outras coisas importantes, como a regularização das aldeias, a comunidade Estrela do Amanhã está em formato de favela há mais de 8 anos, poderia ter um projeto de moradia digna, tem comunidades que não tem infraestrutura, são vários problemas que atingem Campo Grande”, opina.

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