Capital

Guerra diária faz Santa Casa referência em "reconstruir" motociclistas

Aline dos Santos | 16/02/2014 08:42
Com mais de 9 mil cirurgias no currículo, dentista conta que há paciente "reincidente"(Foto: Cleber Gellio)
Com mais de 9 mil cirurgias no currículo, dentista conta que há paciente "reincidente"(Foto: Cleber Gellio)

A guerra no trânsito de todos os dias faz com que o ditado “quebrar a cara” seja bem mais do que força de expressão na vida dos motociclistas. Com rostos desfigurados, ossos fraturados e olhos arrancados em acidentes potencializados por álcool e excesso de velocidade o destino de quem precisa ser, literalmente, “reconstruído” é a Santa Casa de Campo Grande, que se tornou referência no Centro-Oeste na especialidade buco-maxilo-facial.

“Dos nossos pacientes, 90% vêm do trânsito e 75% são motociclistas. Os outros 25% são acidentes também de trânsito nos quais uma moto está envolvida. É uma epidemia de acidente”, afirma o cirurgião-dentista Arnóbio Luiz de Lima Nunes, que desde 1984 dá expediente no maior hospital do Estado e conta com nove mil cirurgias no currículo.

A situação é tão grave que choca até mesmo olhos acostumados a ver rostos partidos em inúmeros pedaços. Para o dentista, regras mais duras precisavam ser adotadas para reverter o quadro. Segundo ele, uma alternativa seria cobrar o tratamento de quem se envolve em acidente por dirigir alcoolizado.

Mas, enquanto a vida segue no ritmo de 60 cirurgias por mês, num circo de horrores, os profissionais passam até oito horas em procedimento cirúrgico para salvar o rosto dos pacientes. Fora as fraturas abaixo do pescoço, os feridos chegam com a mandíbula fraturada em vários pontos. Aí, a reconstrução, a exemplo das casas, é sempre de baixo para cima.

O procedimento de reconstrução de mandíbula leva cinco horas, o médico recebe R$ 175 do SUS (Sistema Único de Saúde) e as placas custam R$ 880. Para o processo de recuperação, a mandíbula é imobilizada. Ume verdadeira engenharia, com colocação de fios, é utilizada para que os movimentos sejam mantidos. “É um quebra-cabeça”, explica Arnóbio Luiz.

O tratamento completo leva meses e meses, o que não impede a reincidência. Segundo o cirurgião-dentista, já houve caso de paciente que enfrentou toda a recuperação, mas, passado algum tempo, estava de volta ao hospital por novo acidente.

“A maioria fica, em média, sete dias. Depois mais cinco semanas de tratamento ambulatorial”, explica.
Em 2013, segundo o levantamento do site Estrela do Asfalto, das 106 pessoas que perderam a vida no trânsito de Campo Grande, 58 estavam em motos. Da frota de 472.922 veículos, 23% são motos: 109.122.

Acidentes envolvendo motos viraram "epidemia" em Campo Grande.

Começar de novo - Há quase um ano o cirurgião trabalha para refazer as feições de Jaqueline dos Santos Nascimento, de 21 anos. A paciente deu entrada na Santa Casa no dia 8 de março do ano passado após bater a motocicleta em um caminhão caçamba, próximo à avenida Interlagos.

“Perigosa a moto é. Mas foi minha culpa, saí atrasada de casa e com pressa para chegar no serviço. Nem estava prestando atenção no trânsito”, relata. O saldo foi de múltiplas fraturas. “Quebrei a perna direita, os dois braços e o punho esquerdo . Tive que tirar o baço e um pulmão foi perfurado”, diz.

Depois de 45 dias no CTI (Centro de Terapia Intensiva), ela teve alta da neurologia e ortopedia. Mas o acidente havia levado o frontal, ou seja, a testa. No lugar, estava o zigomático, que passou da bochecha para acima do olho.
No lugar do osso da testa, era preciso colocar uma malha de aço, avaliada em R$ 25 mil.

No SUS, a malha é classificada como órtese para alta complexidade e só é fornecida mediante autorização especial, normalmente negada pela Sesau (Secretaria Municipal de Saúde).

O remédio foi pedir a um fornecedor, que, com pena da jovem, doou a malha. O rosto já voltou a ter testa. Agora, uma nova cirurgia vai corrigir a pálpebra caída. Uma espécie de mola será colocada. “Vou fazer a quarta cirurgia no rosto”, conta a jovem. Se voltaria a conduzir moto, a resposta é sincera. “Eu não sei”, afirma Jaqueline.

Considerado referência para o Centro-Oeste pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, a Santa Casa atrai pacientes de longe. “Tem paciente que vem de ônibus de Rondônia, Bolívia, Pedro Juan, divisa de São Paulo, divisa do Paraná”, conta o cirurgião-dentista.

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