Capital

Em dia de homenagem, comandante diz que regime foi “anseio da nação”

Escrito pelo ministro da defesa, general da reserva Fernando Azevedo e Silva, o discurso deu início à formação no pátio do CMO, solenidade que comemora o que o Exército chama de “Revolução Democrática de 1964”

Izabela Sanchez e Silvia Frias | 29/03/2019 11:05
Comandante militar do oeste, general Lourival Carvalho Silva, lê o discurso escrito pelo ministro da defesa (Foto: Marina Pacheco)
Comandante militar do oeste, general Lourival Carvalho Silva, lê o discurso escrito pelo ministro da defesa (Foto: Marina Pacheco)

No domingo (31) o período que teve início em 31 de março de 1964 e só chegou ao fim em 15 de março de 1985, a ditadura militar brasileira, faz 55 anos. O aniversário é um divisor de águas simbólico no imaginário do país e há muita gente que chama o golpe de “revolução democrática”. É assim que denomina o Exército, e também o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), que orientou o Ministério da Defesa a autorizar celebrações nos comandos e quarteis do Brasil.

Mato Grosso do Sul não ficou de fora e antecipou a “celebração” para esta sexta-feira (29). No pátio do CMO (Comando Militar do Oeste), em Campo Grande, uma solenidade aberta ao público exibiu a marcha em formação de militares do quadro do exército no estado.

Parte de uma nova agenda brasileira – por anos a celebração foi inibida – o evento não atendeu às expectativas de quem aguardava grande público. Cerca de 60 pessoas, na área de convidado, dividiam espaço com cadeiras vazias e participaram, durante 33 minutos, da solenidade.

Militar do CMO em frente à bandeira e ao pátio onde ocorreu a formação (Foto: Marina Pacheco)

A comemoração teve início com a execução do hino nacional, seguido do discurso lido pelo comandante militar do oeste, o general Lourival Carvalho Silva e da marcha dos militares, em formação, pelo pátio.

Anseio da população brasileira – O discurso lido pelo comandante do CMO foi, na verdade, um texto pronto, escrito pelo próprio ministro da defesa, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva. Como ponto principal, exaltou que a intervenção militar que depôs o presidente eleito João Goulart cumpriu um “anseio da nação brasileira”.

“Cinquenta e cinco anos passados, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica reconhecem o papel desempenhado por aqueles que, ao se depararem com os desafios próprios da época, agiram conforme os anseios da Nação Brasileira. Mais que isso, reafirmam o compromisso com a liberdade e a democracia, pelas quais têm lutado ao longo da História”, assim foi concluído o discurso.

Militares em formação durante a solenidade (Foto: Marina Pacheco)

O texto constrói, para além do período celebrado, uma história da intervenção militar na política brasileira. Cita, por exemplo, a desarticulação, pelo Exército, da “intentona comunista”.

“Contra esses radicalismos, o povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados. Em 1935, foram desarticulados os amotinados da Intentona Comunista. Na Segunda Guerra Mundial, foram derrotadas as forças do Eixo, com a participação da Marinha do Brasil, no patrulhamento do Atlântico Sul e Caribe; do Exército Brasileiro, com a Força Expedicionária Brasileira, nos campos de batalha da Itália; e da Força Aérea Brasileira, nos céus europeus”, diz o texto lido.

Sobre o 31 de março, o texto cita, como “empurrão” à tomada de poder, as marchas das famílias brasileiras, que, de fato, antecederam a data. Em todo Brasil, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” representaram parte do extrato social considerado, hoje, como articulador da ditadura. Além da população, o texto cita um “clamor” da imprensa, já que, à época, praticamente todos os jornais e revistas apoiaram a intervenção militar.

“O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no País. As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo”, afirma o discurso.

Marcha dos militares (Foto: Marina Pacheco)
(Foto: Marina Pacheco)

Na manhã desta sexta, 1475 militares cruzaram o pátio em marcha e baterem continência ao comandante. São homens e mulheres pertencentes aos agrupamentos como a 9ª região militar, o hospital militar de Campo Grande, o 3º Batalhão de Engenharia, o 9º Batalhão de Manutenção e o 9º Batalhão de suprimentos. O desfile foi seguido da banda militar.

O comandante não quis falar com a imprensa, que ficou em área específica, um “cercado”, e foi escoltada por militares todo o tempo. Um dos participantes do grupo de convidados – que incluiu militares da reserva e famílias de militares – foi um consultor jurídico da União, Olavo da Silva Oliveira Neto. Políticos e demais personalidades públicas não participaram do evento.

55 anos – Oficialmente, o presidente conhecido como “Jango” só foi deposto do cargo no dia em 1º de abril de 1964, quando os militares tomaram o Forte de Copacabana e forçaram o presidente a deixar o Rio de Janeiro. A data, ainda assim, é incômoda ao militarismo, por simbolizar o “dia da mentira” e por isso o setor instituiu o dia 31 como aniversário da ditadura.

Antes da ascensão de Bolsonaro - capitão do exército reformado - ao cargo mais importante do país, diversos movimentos começaram a exaltar a ditadura. Nas ruas e clamando contra a corrupção, grupos pediam a volta dos militares ao poder. Foi parte do cenário que elegeu o presidente. Bolsonaro representou uma mudança radical de discurso em torno do tema.

Militares em marcha durante a formação desta sexta-feira no CMO (Foto: Marina Pacheco)

Todos os anos, ainda como deputado federal, costumava comemorar a data na Câmara e já exibiu faixas e protestos em frente ao Ministério da Defesa. Durante a votação do impeachment da presidente afastada Dilma Roussef (PT), Bolsonaro homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais torturadores da ditadura. Bolsonaro chama o golpe militar de “a segunda independência do Brasil”, por ter livrado o país “de uma ditadura comunista”.

A comemoração do golpe militar havia saído do calendário de comemorações oficiais em 2012, por ordem da então presidente da República Dilma Rousseff, mas, segundo informações do governo, continuava a ocorrer informalmente.

Foi durante o governo Dilma que foi instalada a Comissão da Verdade, depois de muita pressão internacional, para investigar os crimes cometidos durante o período. Foi instalada pelo governo em 2012 “para apurar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988”, e contabilizou 434 mortos e desaparecidos no período da ditadura militar e apontou 377 agentes de Estado como responsáveis pelos crimes. Além disso, 8 mil indígenas, segundo o relatório Figueiredo – que integra a comissão – teriam sido mortos.

 

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