Capital

Em clínica de lona, pacientes apostam na fé contra inferno das drogas

Aline dos Santos | 20/03/2012 11:03

A precariedade é sinal dos tempos. A chácara, tem mais gente em busca de ajuda do que capacidade para abrigá-los

De lona, os alojamentos Lar doce Lar e Pavilhão dos Profetas abriga pessoas que tentam se livrar das drogas. (Foto: Marlon Ganassin)
De lona, os alojamentos Lar doce Lar e Pavilhão dos Profetas abriga pessoas que tentam se livrar das drogas. (Foto: Marlon Ganassin)

Depois de morar na rua, viver de sobras, ficar atrás das grades e ver a dignidade virar fumaça junto com a pasta-base de cocaína, o paciente da Clínica da Alma tem uma única esperança contra a dependência química: a fé.

Com nomes bonitos – Lar doce Lar, Pavilhão dos Profetas-, os alojamentos não passam de lonas e madeiras. A precariedade é sinal dos tempos. A chácara, a meia-hora de Campo Grande, na saída para Três Lagoas, tem mais dependentes em busca de socorro do que capacidade para abrigá-los.

Se para quem está de fora a falta de estrutura salta aos olhos. Para os seus 98 moradores, o local ganha ares de paraíso. Com cabelo a “la Neymar” e 14 quilos a mais, o caçula do grupo voltou a parecer um adolescente. Antes, era bandido.

Para sustentar o vício que conheceu aos nove anos, quando ainda morava em Corumbá, cometeu roubos e furtos. Por duas vezes, foi parar na Unei (Unidade Educacional de Internação). A primeira na Los Angeles e depois na Dom Bosco. “Usava faca, revólver. Na rua, você arruma de tudo”, conta.

Aos 12 anos, passou pela primeira internação, mas fugiu da clínica. Depois, a rua virou casa. Em farrapos, drogado e sem destino, bateu na porta da igreja evangélica Tabernáculo da Glória na madrugada de um sábado. “O pastor abriu a porta e me ajudou. No domingo, vim para a chácara”, relata.

O caçula do grupo é um adolescente de 15 anos: “Usava faca, revólver. Na rua, você arruma de tudo”. (Foto: Marlon Ganassin)

O adolescente que já está no local há um mês faz questão de explicar que não dorme nos alojamentos de lona, ficando na parte de alvenaria, não trabalha como os outros e tem autorização da família. Nesses 30 dias, já lutou contra a vontade de ir embora. Um dia, chegou a sair correndo. “Pedi pra Deus dar uma força”, diz, sobre o motivo de ter voltado.

Apenas com o ensino fundamental e, agora, os estudos restritos à leitura da Bíblia, o garoto com trajetória de gente grande faz planos. “Quero ter mulher, filhos, uma carro e uma casa”, planeja, sentado num improvisado banco de madeira.

Se o adolescente é o caçula, no outro extremo está Analino Rodrigues Ramos, que aos 77 anos luta contra a dependência alcoólica. Ele conta que sua última moradia foi um quartinho alugado pelo filho. “Aqui eu tô bem”, diz o senhor.

Em média, o tempo de “internação” na clínica é de seis meses. Mas Valcir Rosa da Silva, de 34 anos, pretende ficar mais. “Já to aqui faz sete meses e pedi para ficar um ano”. O prazo é para tentar que, de fato, fique no passado os crimes e perdas acumulados desde os 12 anos. A dependência começou meio de farra, quando fumava maconha junto com os amigos.

Em pouco tempo veio a pasta-base, o crack, roubos e prisões na PHAC (Penitenciária Harry Amorim Costa), em Dourados, e na Máxima de Campo Grande. Quando sair, ele espera que a igreja o encaminhe para o mercado de trabalho. Sobre como lidar com o vício contando apenas com a própria vontade, justifica: “Senti o chamado de Deus”.

"Senti o chamado de Deus", afirma Valcir, que já morou na rua e esteve atrás das grades. (Foto: Marlon Ganassin)

Na Clínica da Alma, usa se trabalho e fé contra o vício. Não há medicamentos nem atendimento com médico, psicólogo ou psiquiatra, como nas clínicas comuns. Dono da ideia, ou, como prefere, da imposição de Deus para abrir a chácara, o pastor Milton César Montanheri Marques, de 41 anos, admite que o seu projeto de comunidade terapêutica passa longe de ser unanimidade.

Ele conta que foi denunciado por impor a religião e por trabalho escravo. Em contrapartida, sabe que o flagelo da drogas e o perfil da “clientela” evita medidas mais enérgicas contra a iniciativa, que existe há dois anos.

Os pacientes trabalham no cultivo de milho, mandioca, maracujá e cuidam dos porcos, além de prestarem serviço remunerado em fazendas vizinhas. “O dinheiro é todo revertido para a chácara”, garante o pastor.

O local tem um campo de futebol, batizado de “Miltão”, uma academia definida como rudimentar, alojamentos e cozinha improvisados. O próximo passo será fazer uma igreja ao lado dos quartos de lona, onde as roupas e beliches aparecem, surpreendentemente, organizados.

Pastor Milton (de pé) conta que projeto sobrevive de doações. (Foto: Marlon Ganassin)

A igreja arca com o aluguel da chácara, R$ 600, o transporte dos pacientes, que aos domingos vem para Campo Grande para participarem do culto, e a alimentação. Por dia, são 40 quilos de arroz, cinco quilos de feijão e quatro litros de óleo de soja.

Tudo é mantido com doações dos familiares. Na sede da igreja, na rua Joaquim Nabuco, próximo à rodoviária desativada, a procura pelo “serviço” é constante.

O candidato a paciente passa por uma entrevista, onde responde, basicamente, qual o tipo de droga que usa e se tem pendências com a Justiça. Advogado, o pastor informa ao Judiciário o novo endereço do réu.

A igreja também mantém uma chácara para tratamento de mulheres. Mais informações podem ser obtidas por meio dos telefones (67) 3044-6443, (67) 9225-6636 e (67) 9951-1930.

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