Capital

Descrença de vítimas cria "vácuo" entre registros oficiais e a violência real

Funcionário público contabiliza dois furtos, dois boletins de ocorrência e zero item recuperado

Aline dos Santos | 16/03/2018 18:13
Sem localizar donos, itens ficam em delegacia e, depois, seguem para o Fórum. (Foto: Marina Pacheco)
Sem localizar donos, itens ficam em delegacia e, depois, seguem para o Fórum. (Foto: Marina Pacheco)

Apesar de crescente, os números sobre furtos em Campo Grande não retratam a realidade. No hiato entre a estatística e a vida real, entram descrença num “final feliz” e falta de tempo, motivos por quais muitos deixam de registrar o Boletim de Ocorrência em uma delegacia de Polícia Civil. Boa parcela fica só no chamado para a Polícia Militar e acaba fora da estatística oficial, que considera os crimes informados à Civil.

Outro indicativo da subnotificação dessa modalidade de crime também se mostra na polícia, que, sem registro oficial, não consegue localizar os proprietários de itens recuperados.

Nos últimos dias de fevereiro, o auxiliar administrativo Jeovane da Silva Dias, 29 anos, teve a casa invadida e sofreu acidente de moto. O ladrão forçou a porta e roubou um celular. Ele conta que acionou a PM (Polícia Militar), mas, na sequência, preferiu trabalhar para colocar grades em todas as janelas do imóvel a fazer um Boletim de Ocorrência.

Com a mobilidade limitada pelo acidente, Jeovane diz que tentou registrar o crime na Delegacia Virtual, mas o sistema não aceita BO por furto. O prejuízo com o celular foi de mil reais. Agora, gasta para equipar a casa com mais dispositivos de segurança. Além da cerca elétrica, que não inibiu o ladrão, teve que comprar as grades e reforçou as portas com barras de ferro.

O imóvel fica no Jardim Noroeste, na saída para Três Lagoas, onde as casas têm se tornado fortificações, com câmeras de segurança, muros altos, cerca elétrica, cachorros, cerca concertina e vizinhos unidos em grupo de WhatsApp para “patrulhar” as ruas.

Jeovane conta que tentou registra BO em Delegacia Virtual. Sem sucesso, desistiu. (Foto: Marina Pacheco)

No mesmo bairro um morador de 39 anos, que pediu para não ter o nome divulgado, relata a descrença em reaver os produtos furtados. “Achei que não valeria à pena, que não adiantaria nada e só tomaria tempo”, diz.

Em cinco anos, ele teve a casa invadida seis vezes por ladrões. Em dois dos furtos, foi registrado o Boletim de Ocorrência. No mês de outubro, foram furtados eletrônicos e uma bicicleta avaliada em R$ 6 mil. Nada foi encontrado.

O funcionário público Lúcio Marcos Rocha Silva, 47 anos, contabiliza dois furtos, dois Boletins de Ocorrência e zero item recuperado. Se por infelicidade for vítima de um terceiro furto, conta que, provavelmente, não faria novo registro na delegacia.

“Nunca tive retorno de nada. Tem a dificuldade para passar por todo aquele procedimento. Espera muito tempo e não tem retorno de nada. E quando fui procurar a delegacia, porque vi que tinham recuperado objetos furtados, falaram que só poderia ir lá quando eles me ligassem”, afirma.

Lúcio teve uma motocicleta furtada durante o dia na Barão do Rio Branco e a casa, localizada no Jardim Mansour, invadida. Os ladrões arrombaram o portão, entraram com o carro e fizeram um “limpa”. “Levaram televisão, as roupas, som. Só deixaram o cesto de roupa suja”, diz.

 

Noroeste tem moradores descrentes e casas com vários itens se segurança: cerca elétrica, câmera e concertina. (Foto: Marina Pacheco)

À procura do dono – Além de não retratar a realidade, a subnotificaçã dos furtos impede que a polícia encontre os proprietários de objetos furtados.

Em geral, os produtos do crime viram moeda de troca nas bocas de fumo. Desde janeiro, a Primeira Delegacia de Polícia Civil procura os donos de televisores, celulares, bicicleta, relógios e aparelhos de consultórios médicos.

“Com certeza, são produtos objetos de furtos, mas não foram encontrados boletins de ocorrência que noticiassem as subtrações”, afirma o delegado Mário Donizete Ferraz de Queiroz. Segundo ele, desde janeiro foram esclarecidos mais de 20 furtos qualificados, mas as vítimas não foram localizadas.

Quando é encontrado um televisor, por exemplo, é feito busca no sistema, os dados são refinados até verificar se o eletrônico corresponde a um dos registros. Desta forma, mesmo que a pessoa não tenha nota fiscal, é importante fornecer informações pormenorizadas do item furtado.

De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Civil, o registro de furto exige ida à delegacia para que os investigadores esclareçam detalhes.

Segundo delegado, foram esclarecidos mais de 20 furtos, mas as vítimas não foram localizadas.(Foto: Marina Pacheco)

Estatística – Conforme números disponíveis no portal da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), foram registrados 3.294 furtos em Campo Grande entre janeiro e 16 de março de 2017.

No mesmo período deste ano, são 3.494 furtos. Em todo o ano de 2017, a Capital teve 16.381 registros.

A reportagem também solicitou dados ao Ciops (Centro Integrado de Operações de Segurança), que registra os chamados para o 190. O pedido foi protocolado em 12 de março, mas o Campo Grande News não obteve retorno até a publicação da matéria.

Delegacia tem objetos apreendidos e "sem dono"

Galeria mostra fotos de itens apreendidos. Quem identificar algum dos produtos deve procurar a delegacia e fazer reconhecimento. 

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