Capital

Afinal, grafitagem no "muro da discórdia" da Orla Morena é livre ou proibida?

Arte causou briga entre moradores e artistas, que tiveram grafite apagado arbitrariamente

Por Cassia Modena, Antonio Bispo e Caroline Maldonado | 01/02/2024 12:25
Tentativa de apagar um dos gatos pintados por artista (Foto: Alex Machado)
Tentativa de apagar um dos gatos pintados por artista (Foto: Alex Machado)

A tinta branca que “apagou” o colorido de um dos muros da Orla Morena, em Campo Grande, na última terça-feira (30), ainda está dando o que falar. De um lado, moradores dizem que se tratava de pichação e que a autora não havia autorização deles e nem da prefeitura. De outro, artistas falam que se trata de um grafite e não é necessário pedir permissão para criar em espaços públicos como aquele.

Quem está certo? A começar por diferenciar o grafite de pichação, o primeiro é aceito como arte pelo senso comum por geralmente ter cores e ser compreensível. Já o picho, menos agradável aos olhos e sem significado óbvio, é considerado vandalismo pela lei de crimes ambientais. 

A artista Thais Maia, que fez o trabalho na Orla com uma colega, o define como grafitagem. Ela explica que a intenção foi dar novos ares a um espaço público que tem sido pouco cuidado, interagir com os frequentadores e levar arte para a população com a proposta.

"Inclusive, tivemos a participação de crianças durante 7 horas de grafitagem, então houve essa aproximação com as pessoas", conta.

Thais e o grafite na terça-feira, ainda não apagado (Foto: arquivo pessoal)

Além disso, Thais fala que chegou a receber o aval de policiais militares acionados para irem até o local verificar denúncia de pichação. "Um deles falou: ah, muito bonito seu grafite. Eu já vi outros parecidos pela cidade", diz.

Nem assim, a artista se livrou de lidar com truculência de um homem supostamente proprietário de um trailer próximo. Ele se identificou como alguém que "não deu autorização" para a expressão no muro. Depois, apareceram outros dois homens, um deles era o presidente do bairro daquela região, o Cabreúva. "Eles me intimidaram. Isso aconteceu depois que a polícia foi embora", ela alega.

Na quarta-feira (31), a grafiteira soube que o presidente do bairro, Eduardo Cabral, foi um dos responsáveis por atirar tinta branca sobre a arte, que anoiteceu com os dizeres "aqui não autorizamos" pintado sobre as lestras coloridas que ela havia desenhado.

"Mas ele não representa todo mundo, não deveria ter feito isso. Foram 7 horas de trabalho e mais de R$ 2 mil em spray e tintas usados lá, comprados com o dinheiro de uma 'vaquinha' entre artistas", declara Thais.

Autorização - Thais diz saber que é preciso pedir autorização quando o local é público e não pode ser descaracterizado pela arte. No caso da Orla Morena, acredita que não era necessário, devido ao "abandono do local" e porque já havia outros grafites no mesmo espaço.

Enquanto isso, Eduardo Cabral rebate que precisava haver autorização dos moradores e que só há abandono por parte do poder público, já que eles próprios têm se unido para fazer ações ali como plantio de grama e monitoramento de segurança. 

Houve até um bate-boca entre ele e a artista durante protesto no local, hoje (1º) de manhã.

"Os moradores do Cabreúva não autorizam e não querem esse tipo de arte na região", cravou o presidente. Outra moradora, Francisca Mesquita deu a opinião. "Não quero julgar ninguém, porque aqui todo mundo quer estar certo. Mas, é que se houvesse autorização por parte da prefeitura, não haveria motivo para não ser feito. Nós queremos coisas bonitas aqui e não coisas feias como aquilo ali [diz, apontando para uma pichação]".

Frase completa escrita depois, foi: aqui não autorizamos (Foto: Alex Machado)

Eduardo ainda argumentou que existe um projeto artístico para a escadaria da Orla, inspirado na Escadaria Selarón do Rio de Janeiro, e já aprovado pela Sectur (Secretaria Municipal de Cultura). E que, por isso, outras expressões sem autorização não podem ser feitas no espaço público, mesmo que seja em ponto diferente.

Podia? - Presidente da Comissão de Patrimônio Público da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Mato Grosso do Sul, Bruno Anderson Matos e Silva explica que a Lei Municipal nº 5.213, de 6 de novembro de 2019, fala da obrigatoriedade da autorização para grafitar em espaços públicos.

"A lei permite a manifestação cultural através de grafite, estêncil, painelismo e muralismo em localidades públicas. No entanto, para que haja essa manifestação, é necessária uma autorização da prefeitura para o ambiente público ser utilizado para esse fim. Então, o grafite é permitido desde seja autorizado pela secretaria competente do município", explica.

Protesto terminou em bate-boca hoje de manhã (1º) (Foto: Antonio Bispo)

A pichação é proibida, reforça Bruno. A legislação define que o infrator pague multa e faça a restauração do espaço pichado.

Falta de respeito - Titular da Sectur, Mara Bethânia Gurgel falou ao Campo Grande News que considera falta de respeito o que os moradores fizeram. "Ficamos até chocados com o que aconteceu, porque eu acho que é uma falta de respeito com os artistas da cidade, que a todo momento estão tentando promover e ocupar espaços para melhorá-los", disse.

Sobre o trabalho inspirado na Escadaria Selarón, a secretária confirmou que já saiu a autorização, mas não houve andamento por parte dos moradores. "Eles nos procuraram, é um trabalho belíssimo. A Sectur autorizou, eles ficaram de voltar e falar conosco sobre o início do projeto e não houve esse retorno", explicou.

Mara Bethânia promete que a associação de moradores será chamada para uma conversa na secretaria. "Nós queremos entender o que de fato aconteceu. E acreditamos que eles precisam também sentar com o artista e tentar de alguma maneira se entender", pontuou.

Proposta para a escadaria da Orla Morena (Foto: Divulgação/Associação dos Moradores do Cabreúva)

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