Cidades

Brincadeiras aparentemente inocentes são primeiro sintoma de bullying

Paula Vitorino | 19/05/2011 13:51

Por ser baixinho, garoto teve de deixar futsal. Comentários discriminatórios dentro da própria casa incentivam bullying

Exclusão é principal efeito do bullying. (Foto: João Garrigó)
Exclusão é principal efeito do bullying. (Foto: João Garrigó)

Identificar e prevenir são os principais meios para combater o bullying, de acordo com educadores e especialistas no tema. Para isso, é fundamental que pais e educadores estejam atentos a sintomas que podem indicar que a criança ou adolescente está enfrentando o problema, seja como parte agressora ou como vítima.

O problema geralmente começa com brincadeiras tidas como inocentes e apelidos "bobos". Os alertas são da diretora da Escola Municipal Múcio Teixeira Júnior – Vila Carlota, Cleia Aparecida Freitas, que em 2011 completa três anos do projeto “Bullying e o mal que causa”.

A iniciativa surgiu como uma medida de prevenção, quando a expressão inglesa que defini atitudes repetitivas de agressão, verbal ou física, ainda começava a ganhar espaço nas discussões entre educadores do Brasil.

De acordo com a diretora Cleia Aparecida Freitas, o projeto tem como principal objetivo ensinar os alunos sobre a importância do respeito e dos limites em relação ao colega. Palestras com o tema são realizadas bimestralmente, mas ações estão presentes no dia a dia do ensino.

“Eles aprendem que cada um tem seu nome e que chamar o outro por suas características, como “ô baixinho, gordinho” ofende, não é legal. Às vezes pequenas atitudes, brincadeiras prejudicam a outra pessoa, cada um tem suas diferenças. É preciso que cada um respeite o direito do outro e não extrapole os seus, porque pra tudo existe limite”, ressalta.

Quando os professores identificam pequenas brincadeiras, mas que levam à exclusão na sala de aula, ou outros tipos de agressão, como apelidos, a questão é levada para a orientação educacional. Então, o educador desenvolve um trabalho especifico de inclusão com àquela turma de alunos.

As medidas têm o objetivo de identificar quem está causando o bullying e também quem está sofrendo, para orientar as duas partes. Os resultados das medidas de prevenção, segundo a diretora, são percebidos diariamente com o número zero de casos de bullying na Escola.

Consequencias - Diferente de outras formas de agressão, no bullying, tanto o agressor quanto a vítima carregam as conseqüências da atitude pelo resto da vida.

Segundo a defensora pública Olga de Marco, que trabalha com causas ligadas ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), muitos adultos acusados de cometer crimes diversos fizeram ou sofreram bullying na adolescência.

Ela ainda ressalta que ações preventivas são fundamentais para evitar que o bullying chegue até uma disputa judicial. “O adolescente já vai começar a vida com o peso de um processo judicial e tudo por causa de uma brincadeira, que não teve limites e nem a orientação correta”, diz.

A defensora esclarece que o bullying não acontece só dentro das escolas, mas em todo local onde existe convivência de um grupo. Segundo Olga, não existe uma lei especifica que trate do bullying e por isso cada caso precisa ser analisado individualmente, sendo adequado de acordo com o ECA.

Nesta manhã, a defensora esteve na Escola Municipal para ministrar palestra sobre o tema, como parte das ações da Campanha Nacional Crianças e Adolescentes – Primeiro, que irá distribuir cerca de mil cartilhas em escolas da Capital.

Preconceito - De acordo com os especialistas, a prevenção exige um trabalho conjunto da escola e da família, que são os primeiros meios de convivência da criança. A diretora Cleia alerta que as crianças já chegam às escolas com muitos preconceitos adquiridos dentro da sociedade.

“O aluno fala que não vai brincar com tal criança porque ela é pretinha ou de outra religião, por exemplo. E com esses preconceitos vão sendo feitas as exclusões no meio de convivência. Ela escuta do pai ou da mãe, ou até na televisão, e depois carrega o conceito com ela”, diz.

De acordo com Cleia, o bullying começa a ganhar mais dimensão a partir dos 12 anos, na adolescência. “Ele afeta a socialização, muitos acabam não sendo amigos de determinada pessoa por conta de preconceitos. Isso desarticula a vivência de toda a sociedade”, frisa.

Pedro teve de sair de futsal por causa de bullying.

Baixinho - Por isso é tão importante o diálogo não só dentro da escola, mas também na família. A professora Andréia Cristina de Oliveira, de 35 anos, percebeu que tinha algo de errado com o filho de 7 anos após o garoto pedir para não ir mais ao futsal, mesmo sendo apaixonado pelo esporte.

“Ele chegou a chorar pedindo para não ir mais ao futsal. Já tínhamos comprado roupa, tudo para ele, mas com menos de duas semanas de aula ele parou de ir”, diz.

O garoto Pedro Henrique Garcia da Fonseca, de 7 anos, conta que os colegas do time de futsal apelidavam ele de “anãozinho” e diziam que ele não podia jogar bola, porque não iam passar a bola para ele.

A situação persistiu pelas duas primeiras semanas de aula, até que o garoto parou de frequentar o futsal. Andréia diz que o filho sempre foi o mais “baixinho” da turma e que já tinha participado de campeonatos de futsal, sem nunca ter sofrido algum tipo de exclusão.

Andréia conversou com o professor de futsal, mas a conversa com os demais alunos não teve resultado. Neste ano Pedro mudou de colégio e matriculou-se no futsal de novo. “Agora não tem mais nenhum problema. Acho que a preocupação da escola com esse tipo de problema conta muito, precisa ter um trabalho de prevenção”, diz a mãe.

Pedro afirma que ainda fica triste ao lembrar da história, que acontece há um ano, e garante que ter contado para a mãe sobre o problema ajudou. “Se tivesse continuado lá ficaria mais triste”, diz.

Agora, a mãe afirma que a família também procura mudar alguns hábitos que podem incentivar a discriminação.

“A gente parou de assistir televisão, pro exemplo, e falar alguma coisa do tipo ‘olha que pessoa feia” ou algum outro comentário sobre a cor, religião da pessoa. Às vezes sem perceber a gente acaba incentivando o bullying”, alerta.

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