Cidades

TJMS mudou regra duas vezes para "engordar" salários de chefes de setores

Benefício foi derrubado pela reforma da previdência da União, mas Tribunal estendeu pagamento por mais 4 meses

Marta Ferreira | 22/04/2021 16:49
Fachada do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. (Foto: Henrique Kawaminami)
Fachada do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. (Foto: Henrique Kawaminami)

No período de 50 dias, o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) mudou seu próprio entendimento sobre a reforma da previdência, que entrou em vigor pouco mais de 2 anos atrás, primeiro em sua versão federal, e depois em âmbito estadual.  A alteração engordou salários de servidores com função de chefia, que vão levar o ganho para a "vida toda", inclusive na aposentadoria. 

A alteração feita pela Corte teve objetivo de garantir, pelo menos mais uma vez, a incorporação de 10% do salário a servidores com função ou cargo de confiança, notadamente os chefes de setores. Além de garantir a ampliação salarial para quem completava mais um ano nesse período, a decisão tem reflexo em cascata na folha de pagamento, já que o servidor levava a vantagem para a aposentadoria.

Essa regra, chamada estabilidade financeira gradativa, está prevista em lei estadual de 2006, o “Estatuto dos Servidores”, benefício derrubado pela reforma previdenciária, mas que o Tribunal deu jeito de fazer valer para quem já tinha “direito adquirido” até março de 2020.

Quem assina a decisão é o desembargador Paschoal Carmelo Leandro, que deixou a presidência do órgão este ano. A atual gestão, sob o comando do desembargador Carlos Eduardo Contar, mesmo procurada, não quis falar do tema. 

Não se sabe, por exemplo, qual foi o impacto financeiro da mudança de entendimento, nem quantos enquadrados. O direito era anual, ou seja, quem completou esse intervalo de tempo entre novembro e março, conseguiu assegurar os 10% a mais.

O Sindijus (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário), defensor da medida na época, apenas disse que ela não está mais em vigor. Ou seja, o tema é delicado.

Explica-se - Primeiro, no dia 20 de novembro de 2011, dias depois da entrada em vigor do texto federal, em 13 de novembro de 2019, foi dada a ordem de serviços de número 63.631.076.0001/2019 mandando parar de pagar a incorporação salarial.

A cada ano, os 10% eram aplicados a remuneração, até o máximo de 100%. A título de demostração, um servidor com salário de R$ 4 mil, ganharia R$ 400 ao completar o primeiro ano em função de confiança, uma diretoria de área, por exemplo. 

Quando aposentasse, o ganho permanecia. 

Arte: Thiago Mendes.

Protesto e consequência - Com essa suspensão em novembro de 2019, houve grita entre servidores, principalmente entre aquelas prestes a garantir a nova fatia do bolo salarial. O resultado foi, 50 dias depois, em 8 de janeiro, a assinatura de portaria invalidando a ordem de serviço.

A medida, publicada no Diário da Justiça no dia 13 de janeiro, usa prazo diferente para que o fim da incorporação fosse colocado em prática. 

O dispositivo publicado determina a interrupção só a partir a partir de 19 de março de 2020  “da a incorporação de vantagens de que trata o art. 108-F da Lei nº 3.310, de 14 de dezembro de 2016, ante a sua incompatibilidade superveniente com a Constituição Estadual”.

Traduzindo, O TJMS deixou de usar o texto federal como sua referência e passou a considerar como base a emenda à Constituição Estadual sobre a reforma da previdência. No texto do Executivo aprovado pela Assembleia Legislativa, sancionado em 19 de dezembro, é dado o prazo de 90 dias para entrada em vigor das alterações.

Esse interstício obedece ao princípio legal chamado de noventena, usado para regras previdenciárias, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Quando a mudança é em pressupostos dessa área, só entra em vigor 90 dias depois.

Vale a lei federal - Ocorre que, segundo os advogados consultados pelo Campo Grande News, a “estabilidade financeira gradativa” não é regra previdenciária. Não tem a ver com a aposentadoria dos servidores, com descontos, alíquotas ou tempo para deixar a atividade e passar a ser inativo.

Por isso, esse item da medida legal deveria entrar em vigor sim quando começou a valer o texto da reforma da previdência da União. Na emenda 103 à Constituição Federal está descrito, no artigo 36, que apenas parte dos encaminhamentos ficariam sob responsabilidade dos Estados.

São feitas duas exceções no artigo citado.  No primeiro parágrafo, é dado o prazo de 90 dias para entrada em vigor de três artigos, o 11, relacionado a alíquotas previdenciárias, o 28, sobre segurados da Previdência Pública que estejam trabalhando ou ainda contribuintes avulsos, e o artigo 32, que trata da contribuição social de pessoas jurídicas. 

O parágrafo dois estipula, em regra geral, que os regimes próprios dos Estados iriam definir questões relativas ao financiamento da previdência dos servidores.

Por fim, o parágrafo três encerra o dispositivo legal afirmando que “nos demais casos”, a lei entra em vigor na data de sua publicação, 13 de novembro de 2019.

Como se vê, não é referido como exceção o art. 39, que em seu parágrafo 9º é claro..

É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo", prevê o trecho.

Sem resposta - A reportagem procurou o TJMS para explicar sua base legal para estender a validade da “estabilidade financeira” por mais 4 meses, mas não obteve retorno.

Leonardo Lacerta, presidente do Sindijus. (Foto: Divulgação)

O Sindijus comemorou em seu site a decisão do Tribunal de voltar atrás na suspensão do pagamento logo após a reforma da previdência do governo federal. A a alegação é de que havia sido provocado por servidores que já estavam à espera do ganho salarial.

Procurado, o presidente Leonardo Lacerda, enviou comentário por meio da assessoria de imprensa.

Está interrompida a concessão de incorporações desde 19 de março de 2020, quando a reforma da previdência federal foi incorporada à constituição estadual e regime próprio de previdência do Mato Grosso do Sul, observada a competência privativa do poder executivo estadual. Passados mais de um ano dessa proibição esta permanece sendo cumprida”, declarou Leonardo.

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