Cidades

Terceirização de hospitais impede fiscalização, lembra Conselho de Saúde

Esta semana, Conselho Estadual encaminhou deliberação contrária ao Ministério Público em MS

Por Cassia Modena | 26/04/2024 15:39
Ricardo Bueno, o presidente do Conselho Estadual de Saúde de MS (Foto: Henrique Kawaminami)
Ricardo Bueno, o presidente do Conselho Estadual de Saúde de MS (Foto: Henrique Kawaminami)

Conselho Estadual de Saúde reforçou, em mais um posicionamento, ser contra hospitais construídos e mantidos com dinheiro público ficarem nas mãos de OSs (Organizações Sociais) em Mato Grosso do Sul. 

Deliberação contrária foi encaminhada ao Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal. Atualmente, os contratos ativos com institutos somam R$ 923,1 milhões, segundo dados do Portal da Transparência do governo estadual.

A primeira organização a administrar uma unidade de saúde pública no Estado foi o Instituto Gerir. A entidade chefiou o Hospital Regional de Ponta Porã entre 2016 e 2019, faturou cerca de R$ 1 bilhão e foi alvo de operação da PF (Polícia Federal) por suspeita de desvio de recursos.

O Instituto Acqua substituiu o Gerir na administração de Ponta Porã e assumiu também o Hospital Regional de Três Lagoas. Em 2022, o então gestor da instituição três-lagoense foi outro na mira da PF.

Em Dourados, o Instituto Social Mais Saúde toma conta do Hospital de Cirurgias da Grande Dourados. Outra OS irá assumir o Hospital Regional da mesma cidade, que ainda está em construção, como já sinalizou o governo estadual.

O que foi concluído até janeiro deste ano em estrutura no Hospital Regional de Dourados, que deverá custar o total de R$ 17,5 milhões (Foto: Saul Schramm/Governo de MS)

Entrevista - Nesta sexta-feira (26), o presidente do conselho, Ricardo Bueno, falou com a reportagem sobre o assunto. Ele explicou que as medidas tomadas nesta semana servem para reforçar a posição que a entidade sustenta desde 2015, quando foi publicada lei que regra a contratação e atividades das OSs no Estado.

Bueno critica a decisão do governo de terceirizar os hospitais. "Se o Estado não consegue administrar um hospital, ele assina atestado de incompetência", acusa. 

O conselho perde a competência de fiscalizar e avaliar os serviços quando existe a terceirização. O contrato do governo com as organizações não prevê esse monitoramento, o que contraria a legislação, afirma Ricardo. 

Sebastião Júnior, que representa os usuários do SUS no Conselho Estadual de Saúde (Foto: Henrique Kawaminami)

Prejuízos - Ricardo Bueno e Sebastião Júnior, que é secretário no Conselho Estadual de Saúde e representa os usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) na entidade, apontam o que consideram os maiores prejuízos da terceirização. Segundo o presidente, as OSs assumem prédios novos, já estruturados, parecidos com "apartamentos decorados", mas não entregam serviços de alta complexidade que salvam vidas em Mato Grosso do Sul.

"Quando você vai para o interior, as OSs continuam com a média complexidade. A alta complexidade 'vem parar' no Hospital Regional da Capital, na Santa Casa", diz.

Outra questão é a falta de resolutividade nos atendimentos, diz Sebastião. "O absenteísmo [falta de pacientes] é muito alto, de 30%. Se eu perco 30 cirurgias de 100 agendadas, não consegui resolver, dar a resposta, mostrar produção".

Se a situação do paciente piora, ele começa uma peregrinação. "Temos pacientes que saem de Ponta Porã, vão para Três Lagoas e chegam ao Hospital Regional de Mato Grosso do Sul para resolver o problema", fala o representante das pessoas que usam SUS no Estado.

Fachada do Hospital Regional de Ponta Porã, administrado pela segunda OS (Foto: Pedro Zadyr/Acqua)

A falta de funcionários "de carreira", servidores públicos com títulos e formação financiada pelo Estado para serem referência em certa especialidade, é outro problema. "Você vai ter um salário menor pela carreira quando você coloca a OS contratando pelo regime celetista com salário de base da categoria. E não tem diferenciação do 'cara' que tem 20, 30 anos de serviço", destaca Bueno.

Assim, a economia para os cofres públicos com a contratação de uma OS acaba não compensando, na opinião dos conselheiros. "Gostam de incluir na justificativa o custo [menor] da folha da pagamento do hospital, mas acho que isso só pode 'imprimir' quando se vê experiência e treinamento dado pelo próprio Estado. Um profissional que tem doutorado, mestrado, ele não tem a mesma qualidade daquele que se contrata por um preço baixo, sem formação e treinamento", conclui Ricardo.

Hospital Regional de MS - Com relação à possível terceirização também do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, o Conselho Estadual de Saúde não vê margem para isso.

Entrada principal do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (Foto: Geniffer Valeriano/Arquivo)

"Hoje ele tem falta de funcionários, tanto que teve o concurso público, a estrutura está ruim porque se tornou antiga e velha e precisa ser toda reformada. A organização social querer [assumir] eu acho difícil, porque gostam de estrutura boa, bonita e nova. E o Hospital Regional é cheio de problema", diz o presidente.

O que se discute com o conselho hoje, afirma, é a intenção de terceirizar a administração da infraestrutura do hospital. "Mas a gente acha que o SUS tem que ser 100% público e 100% gerido pelo poder público", pontua Ricardo.

A reportagem questionou a assessoria de imprensa da SES sobre como está a avaliação do desempenho das OSs já contratadas e em quais benefícios à população essas parcerias estão resultando. Não houve resposta até a publicação desta matéria, mas o espaço segue aberto para manifestação.

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