Cidades

Suspeito de golpe contra Justiça, “casal bitcoins” diz viver de bicos e faxinas

Ação para desbloquear imóvel de R$ 1,2 milhão virou investigação de fraude processual após juiz verificar "má intenção"

Aline dos Santos | 30/10/2020 11:10
Casamento  de José e Divina em dezembro de 2017 teve show de Bruno e Marrone. (Foto: Regina Aoki)
Casamento  de José e Divina em dezembro de 2017 teve show de Bruno e Marrone. (Foto: Regina Aoki)

Garotos-propaganda da criptomoeda bitcoins, José Aparecido Maia dos Santos e Divina Inácia de Souza aparecem em processo na Justiça numa situação financeira bem diferente de dezembro de 2017, quando atraíram os holofotes com casamento orçado em R$ 750 mil e show de Bruno e Marrone. 

Vivendo no litoral de Santa Catarina, o casal relatou em 2018 ter renda mensal de R$ 1.700: ele fazendo bico na área de vendas e ela laborando como diarista.

A situação financeira voltou a ser citada à Justiça em fevereiro deste ano, quando pediram para ser ouvidos na comarca onde moram por conta das restrições econômicas em arcar com viagem e hospedagem em Campo Grande. 

O processo em questão era uma tentativa de retirar o bloqueio judicial de imóvel de R$ 1,2 milhão. O comprador informa que fez negócio antes da operação Lucro Fácil, mas a Justiça aponta que sofreu uma tentativa de golpe e mandou a Polícia Civil abrir inquérito para investigar o casal e o comprador por fraude processual. 

Num embargo de terceiros apresentado à 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, o policial militar Ivaldo Grisoste Barbosa Junior, que relatou ter se afastado do cargo para se dedicar aos negócios da Minerworld (investigada na Lucro Fácil), informa ter assinado contrato de compra e venda do imóvel em 15 de março de 2018, com escritura pública datada de 16 de abril de 2018. 

A operação para combater pirâmide financeira, por meio de fornecimento de supostos serviços de mineração de bitcoins foi realizada pelo MP/MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) em 17 de abril de 2018. 

O pagamento do R$ 1,2 milhão seria em MCASH (R$ 500 mil), entrega de veículo BMW (R$ 200 mil) e cinco prestações de R$ 100 mil, sendo a primeira em 15 de março daquele ano. O juiz David de Oliveira Gomes Filho destaca que o processo é cheio de “singularidades”. 

Uma delas é o uso da MCASH, a criptomoeda criada pela Minerworld  (investigada na Lucro Fácil) e usada para tentar pagar sua dívida com os milhares de investidores que figuram como vítimas na ação coletiva proposta pelo Ministério Público.

Empresa é investigada na operação Lucro Fácil. (Foto: André Bittar/Arquivo)

“No caso, a MCASH somente foi lançada em 18 de março de 2018, ou seja, ‘depois’ que o embargante usou ela para pagar R$ 500.000,00 (meio milhão de reais) pelo imóvel em questão”, destaca o magistrado na sentença, publicada em junho de 2020.

O juiz pondera que a opção pela moeda é uma versão muito difícil de acreditar. “A tal criptomoeda na época não tinha sido sequer lançada, não tinha valor de mercado e foi criada por uma empresa que vinha recebendo críticas de vários consumidores quanto a sua idoneidade meses antes da propositura da ação. Mas não é só. O veículo BMW que, também, teria sido dado em pagamento pelo imóvel, pelo preço de R$ 200.000,00, até um dia antes do pagamento não estava em nome do embargante”. 

A sentença ainda destaca que o casal lavrou a escritura pública de compra e venda com condições diferentes do compromisso de compra e venda. O valor caiu de R$ 1,2 milhão para R$ 700 mil. 

Segundo a decisão, fica claro que os embargos de terceiro foram utilizados para alterar as verdades dos fatos para tentar induzir o juiz a erro. 

“Trata-se, pois, de simulação, onde se mascara, se camufla, se disfarça, se esconde a verdade. Nestes casos, como já foi dito, a aparência formal do que é apresentado não tem valor perante terceiros, mas sim a intenção de quem efetuou o negócio. E resta claro, como já foi tido, a má-intenção dos envolvidos”, afirma o juiz na decisão.  O pedido de liberação do imóvel foi negado. 

Reforma - O advogado Algacyr Torres Pissini Neto, que atua na defesa de Ivaldo, afirma que não houve tentativa de enganar o Poder Judiciário. “Se tivesse tentado enganar a Justiça, não entraria com a ação cível. O juiz mandou investigar, mas não há nada comprovado nesse sentido”.  Ele vai recorrer para reformar a sentença. 

A reportagem entrou em contato com o escritório do advogado que representa José e Divina, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. 

O processo principal da operação Lucro Fácil, sobre práticas abusivas, já tem 11.672 páginas e tramita na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. 

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