Cidades

Papéis achados com Name citam compra de liminar em favor de senador

Teriam sido negociadas duas decisões, uma delas no valor de R$ 2 milhões, dos quais R$ 200 mil teriam sido pagos

Marta Ferreira | 03/10/2019 19:25
Tribunal de Justiça vai encaminhar informações para instâncias responsáveis, STF, STF e CNJ. (Foto: Arquivo)
Tribunal de Justiça vai encaminhar informações para instâncias responsáveis, STF, STF e CNJ. (Foto: Arquivo)

A Operação Omertà, desencadeada na semana passada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) tem revelações que vão demandar investigação envolvendo autoridades com foro privilegiado em Mato Grosso do Sul, entre elas um senador e pelo menos três desembargadores.

É que documento encontrado numa gaveta do empresário Jamil Name, 80 anos, apontado como chefe de organização criminosa, cita a “compra” de decisão liminar em favor do senador Nelson Trad Filho (PSD/MS) e de outros quatro réus de ação judicial por imbrobidade administrativa, para desbloquear valores sequestrados.

O valor negociado, para uma decisão seria de R$ 2 milhões, dos quais R$ 200 mil teriam sido pagos. Os beneficiários seriam o relator do recurso, cujo nome citado é Marcelo Câmara Rasslan, e outros dois integrantes da 2ª Câmara Civil.

O papel encontrado traz, com tópicos entre a letra que começam com 1 e 2, e depois vão de a até a letra g, uma espécie de relatório do que teria sido intermediado. De cara, traz “liminar concedida para desbloqueio de todos os bens” e depois “mérito: manutenção de liminar pelo relator e pelo relator e os outros dois integrantes da 1ª Câmara Civil”. No topo da folha, há um cabeçalho informando que o autor da ação é o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) os réus são Nelson Trad Filho e outras quatro pessoas.

Os tópicos com as letras do alfabeto citam como seria o “combinado”. Diz o texto que o valor em relação à liminar foi de R$ 1 milhão e outro R$ 1 milhão seria pago quando o agravo tivesse a decisão final. Seria feita, conforme descrito, uma cota de R$ 200 mil para cada réu. Haveria, ainda, uma dívida de R$ 1,8 milhão.

Outra decisão – Ainda conforme o texto no papel apreendido, em outra ação com cinco réus, “inclusive um ex-secretário municipal”, havia sido concedida liminar para desbloqueio de bens, pela qual o montante a ser pago era de R$ 250 mil. “Nada foi pago”, diz o trecho. “O relator foi o mesmo desembargador, Marcelo Câmara Rasslan”. Abaixo, o texto traz que, no total, a dívida é de dois milhões e cinquenta mil reais.

O autor do texto diz, ainda, que foi procurado pelo secretário citado num domingo de manhã, "em casa". Não é possível saber de quem se trata.

As duas ações, no primeiro grau, correm, novamente segundo descrito, na 2ª Vara de Diretos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, a cargo do magistrado David de Oliveira Gomes Filho.

Do que se trata? - Ex-prefeito de Campo Grande, de 2005 a 2012, Nelson Trad Filho é alvo de pelo menos duas dezenas de ações por improbidade. As mais rumorosas envolvem a concessão do contrato para exploração dos resíduos na cidade, vencida pela CG Solurb, da qual o ex-cunhado de Nelsinho, João Amorim, empresário alvo de acusações também na Operação Lama Asfáltica, é apontado como sócio oculto. Uma das ações sobre esse tema determinou bloqueio de R$ 101 milhões em bens dos envolvidos, desbloqueados mas o número de réus não bate com a anotação do papel encontrado.

O relator de fato é Marcelo Rasslan, mas em julho ele manteve o bloqueio, na decisão liminar. O julgamento do mérito está marcado para o dia 29 deste mês. Normalnente, votam três desembargadores, embora a Câmara seja formada por cinco.

Respostas - Como envolvem um senador, cuja investigação precisa ser autorizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e desembargadores, com instância no Superior Tribunal de Justiça, esse trecho da investigação, que está sob sigilo, foi remetido para providências da Corte pelo juiz que autorizou a Operação, Marcelo Ivo de Oliveira, da 7 Vara Criminal.

Procurado pela reportagem, o senador Nelson Trad Filho respondeu que “jamais participou de qualquer ato ou negociação com qualquer pessoa que seja”. De acordo com nota enviada por ele, “a ilação não faz o menor sentido uma vez que todas as decisões do Desembargador nominado foram - até o presente momento - contrárias aos recursos interpostos”.

O parlamentar afirma ser favorável a abrir qualquer tipo de sigilo, “seja processual, fiscal, telefônico”, para deixar absolutamente claro que não há nenhuma vinculação dele com o fato relacionado.

Para ele, a veiculação tem clara natureza política. “Por isso, tomaremos as medidas jurídicas cabíveis contra essa brutal tentativa de macular a reputação do senador Nelson Trad Filho”.

O magistrado citado está de férias e em viagem, segundo informou a Amamsul (Associação dos Magistrados de MS). “Mas desde já defende a mais ampla apuração dos fatos, já tendo inclusive renunciado aos sigilos fiscal, bancário e telemático perante as autoridades competentes”, informa a associação.

A resposta do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul é de que está “aguardando a apuração dos fatos relacionados à operação Ormetà”. Sobre material divulgado nesta quinta-feira (3), diz o Tribunal, “trata-se de documento apócrifo, que ainda não se sabe a origem”.

A apuração dos fatos, respeitados os direitos constitucionais de qualquer cidadão, será feita por órgão competente, termina o texto. Além do STJ, para a apuração criminal, a investigação em relação aos desembargadores também será encaminhada ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que pode adotar punições administrativas.

Durante os desdobramentos da operação, também surgiu o nome de um ex-desembargador, Joenildo de Souza Chaves, que já foi presidente do TJ, e teve cheque em nome dele, de R$ 100 mil, encontrado na gaveta de Jamil Name. Ele não se manifestou a respeito.

Folha encontrada em gaveta do quarto de Jamil Name traz citações a senador e desembargador. (Foto: Direto das Ruas)
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