Cidades

Falta de auditores fiscais é desafio para combate ao trabalho escravo em MS

Estado tem apenas 23 auditores fiscais do trabalho; ideal seriam pelo menos 40, diz superintendente do MTE

Por Mylena Fraiha | 02/02/2025 10:08
Falta de auditores fiscais é desafio para combate ao trabalho escravo em MS
Auditor-fiscal do trabalho, representante do MPT e policial durante fiscalização de caso de trabalho escravo em Bela Vista, em 2019 (Foto: Arquivo)

O “boom econômico” da agroindústria e a nova rota migratória que deve se formar a partir da Rota Bioceânica são os desafios para a fiscalização das denúncias de trabalho escravo em Mato Grosso do Sul. A situação é considerada preocupante, já que o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) tem apenas 23 auditores fiscais no Estado para acompanhar os casos.

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Mato Grosso do Sul enfrenta um grave déficit de auditores fiscais do trabalho para combater o trabalho escravo, contando atualmente com apenas 23 profissionais na ativa. Durante seminário realizado pela Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escravo, especialistas alertaram que o número é insuficiente diante do crescimento econômico do estado e da expansão do agronegócio. Embora um recente concurso nacional tenha aberto 900 vagas, apenas oito foram destinadas a MS. Em 2024, o estado registrou 130 resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão, ocupando a sexta posição no ranking nacional. A pecuária lidera os casos, com 44 das 110 ocorrências registradas entre 1995 e 2023. A situação pode se agravar com a inauguração da Rota Bioceânica, que deve aumentar o fluxo migratório na região.

O deficit atual preocupa, já que, o desenvolvimento econômico pode atrair mais mão de obra, mas também exige maior fiscalização.

Esse foi um dos pontos destacados por especialistas e órgãos de erradicação do trabalho escravo durante o seminário “Combate ao Trabalho Escravo no MS: Histórico, Desafios e Perspectivas”, promovido pela Coetrae/MS (Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escravo).

Segundo o superintendente Regional do Trabalho e Emprego do MTE, Alexandre Morais Cantero, esse número é muito baixo para a dimensão do Estado. Ele acredita que um quadro com cerca de 40 auditores fiscais permitiria um trabalho mais eficaz.

Cantero também alerta para a futura inauguração da Rota Bioceânica, que mudará o cenário migratório de Mato Grosso do Sul, já que interligará quatro países: Brasil, Paraguai, Argentina e Chile. “O fluxo de trabalhadores – inclusive estrangeiros – tende a aumentar significativamente, o que exige um reforço na fiscalização, não apenas contra o trabalho escravo e a informalidade, mas também contra crimes associados, como o tráfico de pessoas”.

Recentemente, foi aberto um concurso com 900 vagas para auditores fiscais do trabalho em todo o país, mas o superintendente destaca que o deficit de profissionais ainda é grande. Para Mato Grosso do Sul, foram destinadas apenas oito dessas vagas.

“Embora esse reforço seja positivo, ainda está aquém da necessidade do Estado. É uma medida paliativa, mas precisamos de mais concursos e de uma equipe maior para garantir uma fiscalização eficiente e combater a violação dos direitos trabalhistas”, afirma Alexandre.

Mesmo com concurso recente, superintendente do MTE, Alexandre Cantero, destaca que o déficit de profissionais ainda é grande em MS (Foto: Mylena Fraiha).

Esse deficit de mão de obra também foi destacado pelo procurador do trabalho do MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul), Paulo Douglas Almeida de Moraes, que enfatizou a necessidade do governo federal ampliar esse número. “Sem o auditor fiscal do trabalho, praticamente não há enfrentamento ao trabalho escravo no país. Por isso, é fundamental que o governo priorize o reaprimoramento da auditoria fiscal do trabalho, especialmente com a realização de concursos para novos auditores.”

Outro desafio apontado pelo procurador do MPT é a naturalização cultural das condições degradantes de trabalho no campo. “É o equívoco de imaginar que algo que sempre foi feito de uma determinada maneira torna essa maneira correta. O fato de cercas sempre terem sido feitas de forma inadequada no passado não justifica que essas práticas, importantes e necessárias, continuem sendo realizadas de forma indevida”, afirmou.

O evento contou com a participação de diversos órgãos, como a Semadesc (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), o MPT, a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).

Representantes de órgãos de combate ao trabalho escravo no o seminário “Combate ao Trabalho Escravo no MS: Histórico, Desafios e Perspectivas” (Foto: Mylena Fraiha).

Formas de combate – Em 2024, foram resgatados 130 trabalhadores, tornando o estado o sexto do Brasil com o maior número de resgates de condições análogas à escravidão, conforme dados divulgados pelo MPT.

De acordo com o MPT, entre 2020 e 2024, foram registradas 315 notícias de fato relacionadas a supostas práticas de trabalho escravo no estado. Nesse período, 40 ações civis públicas foram ajuizadas para responsabilizar empregadores e combater a exploração laboral. Além disso, 79 TACs (Termos de Ajuste de Conduta) foram firmados, evidenciando o compromisso do MPT com as medidas de regularização e prevenção de condutas ilícitas.

É importante destacar que, atualmente, a pecuária é o setor com maior número de casos de trabalho escravo. Dados do MTE, sistematizados pela CPT, mostram que entre 1995 e 2023, dos 110 casos registrados, 44 ocorreram na pecuária, 23 nas carvoarias e 12 em lavouras.

Segundo o secretário executivo de Qualificação Profissional e Trabalho da Semadesc, Esaú Aguiar, o envolvimento com trabalho escravo no setor agropecuário tem sido considerado ao conceder benefícios fiscais e garantir a participação em programas estaduais, como o Proleite, MS Renovável e Precoce MS.

Ele explica que essa exigência se aplica tanto às grandes empresas que estão se instalando quanto aos pequenos e médios produtores de MS. "Por exemplo, quando credenciamos um produtor para o programa do leite ou outros programas similares, ele precisa apresentar diversas certificações, incluindo um 'nada consta' junto ao Ministério do Trabalho. Essa comprovação é recorrente. Todos os incentivos e benefícios recebidos são verificados periodicamente, seja anualmente ou em períodos menores, dependendo do tipo de atividade", destaca Esaú.

Rosane mostra cartilha educativa da campanha nacional "De Olho Aberto Para Não Virar Escravo", feita pelo CPT (Foto: Mylena Fraiha).

No campo da conscientização e educação, a CPT é um dos principais órgãos no combate às formas contemporâneas de trabalho análogo à escravidão no país, por meio da campanha nacional "De Olho Aberto Para Não Virar Escravo".

Entre as ações, estão a produção e distribuição de materiais educativos, formações para agentes de pastoral, lideranças sociais e agentes públicos para promover ações de enfrentamento. O órgão também atua com projetos para incentivar o protagonismo comunitário, apoiando processos coletivos de construção de uma vida digna, como a luta pela terra, a permanência nela e estratégias para a defesa dos territórios.

“Através de projetos, estamos desenvolvendo quintais produtivos e agroflorestas, que envolvem a produção de alimentos e o cultivo de frutas para as famílias. O objetivo é que os responsáveis pelas famílias não precisem sair, inclusive para empregos que podem caracterizar trabalho escravo, como nas plantações de cana, nas fazendas, nos frigoríficos, entre outros”, explica a coordenadora regional da CPT/MS, Rosane Marize Haubert Santiago.

É preciso denunciar - O combate ao trabalho escravo começa com a denúncia, que pode ser feita por canais como Disque 100, 190, ou diretamente a órgãos como o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União.

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