Cidades

Desconhecimento ainda ameaça direitos previstos no ECA há 29 anos

Descriminalização do trabalho infantil e redução da maioridade penal são pautas dos que querem alterar o estatuto

Jones Mário | 13/07/2019 13:03
ECA garante desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social às crianças e jovens brasileiros (Foto: Saul Schramm/Arquivo)
ECA garante desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social às crianças e jovens brasileiros (Foto: Saul Schramm/Arquivo)

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) faz 29 anos neste sábado, mas os esforços para protegê-lo mesmo após quase três décadas de vigência seguem necessários. Para quem atua na garantia dos direitos fixados pela lei, o desconhecimento do texto que assegura desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social às crianças e jovens brasileiros ainda é uma constante ameaça.

No início do mês, o próprio presidente Jair Bolsonaro fez declarações que vão na contramão do que diz o ECA. Ao comentar durante uma “live” que trabalhou na roça quando criança, disse que não foi “prejudicado”. “Trabalho não atrapalha a vida de ninguém”, continuou. Porém, Bolsonaro revelou que não se mobilizaria para descriminalizar o trabalho infantil, porque seria “massacrado”.

Coordenadora do Nudeca (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul), a defensora Débora Maria de Souza Paulino classificou o comentário como infeliz. Ela crê que os ataques contra o ECA são frutos de ignorância sobre o que diz o texto.

“As pessoas comentam por não conheceram o que traz a lei. Quando começam a estudar e conhecer o porquê dessas garantias, elas mudam de opinião. Infelizmente a gente ainda luta contra isso. A gente precisa refletir, parar, ter paciência para ler o ECA. Tem gente que diz que o ECA não deixa educar as crianças. Não é nada disso. Ele veio para trazer as garantias, proteção, auxílio à saúde, prioridade de atendimento”, detalha.

Conforme dados do relatório da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) “30 Anos de SUS - Que SUS para 2030?”, o Brasil melhorou os índices de mortalidade infantil desde a promulgação do ECA, com a ampliação do acesso à assistência ambulatorial na rede pública de saúde. O País também reduziu mais da metade de óbitos de crianças menores de 5 anos, por causas evitáveis, passando de 70.572 casos em 1996 para 29.126 em 2016 – queda de 59% no período.

“É a criança pobre que vai deixar de frequentar escola para trabalhar. Não vão ser todas. Uma criança com condição financeira não vai trabalhar, vai ter acesso à escola. A infância deve ser construída de forma saudável. A discussão sobre trabalho infantil tem que ser superada. Lugar de criança é na escola, com a família, em ambiente de amor, dedicação”, reforça a defensora pública.

Números do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, mostram que o Brasil registrou 44 mil acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos, de 2007 a 2018. Nesse mesmo período, 261 meninas e meninos morreram trabalhando.

Maioridade penal - A redução da maioridade penal, instituída em 18 anos pelo ECA, é mais um ponto da lei constantemente ameaçado. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 115/2015, que visa diminuir o corte para 16 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, tramita no Congresso Nacional desde 1993.

“A gente já debateu bastante e entende que o Brasil não tem estrutura para alterar essa questão. As unidades de internação não são adequadas, o sistema prisional é extremamente precário. Todas as Defensorias do Brasil e o sistema de Justiça como um todo são contra a redução”, defende Débora Maria.

A defensora cita ainda a existência de tratados internacionais que atestam a formação biológica e da personalidade de adolescentes estão em processo antes dos 18 anos. “Além disso, o índice de envolvimento de adolescentes em crimes de natureza grave é baixíssimo. Reduzir a maioridade penal não vai resolver a questão da criminalidade”.

Unei Dom Bosco abriga adolescentes em conflitos com a lei em Campo Grande (Foto: Paulo Francis)

Em MS – A atuação local do Nudeca envolve as áreas cível e infracional. Na primeira, o grupo trabalha no resgate, acolhimento e acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de risco, e também no encaminhamento destes jovens para a adoção.

Na área infracional, a principal frente de atuação envolve o acompanhamento dos casos de adolescentes em conflito com a lei e o cumprimento das medidas socioeducativas impostas.

Em maio deste ano, a Vara da Infância, Adolescência e do Idoso de Campo Grande afastou sete agentes da Unei Dom Bosco (Unidade Educacional de Internação), incluindo o diretor-adjunto. Na denúncia, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) narra “fatos criminosos considerados gravíssimos”, que envolvem agressões com cassetete e spray de pimenta.

“A Defensoria vem atuando de forma bastante enérgica quanto a isso, mas somos muito dependentes do Judiciário. Nós acionamos o MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), que fez a visita, mas a gente precisa tanto do Judiciário quanto do setor público para combater isso”, discorre Débora Maria.

“Temos um estatuto que é modelo mundial, mas ainda falta muito para cumprir o que está escrito”, finaliza a coordenadora do Nudeca.

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