Cidades

“Boi de papel” lavou lucro de desembargador com venda de sentença, suspeita PF

Divoncir Schreiner Maran é investigado por supostamente cobrar para conceder habeas corpus a narcotraficante

Por Anahi Zurutuza | 07/05/2024 19:00
Divoncir Maran, desembargador investigado por venda de setença (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Divoncir Maran, desembargador investigado por venda de setença (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

O dinheiro supostamente obtido pelo desembargador Divoncir Schreiner Maran com a venda do habeas corpus que libertou o narcotraficante Gerson Palermo foi “lavado” – para ganhar ar de legalidade – por meio de simulações de compra e venda de gado, a modalidade que ganhou o apelido de “boi de papel”. É o que aponta a investigação da Polícia Federal contra o magistrado recém-aposentado.

A informação consta na decisão da ministra Maria Isabel Gallotti, relatora no STJ (Superior Tribunal de Justiça) do inquérito contra Maran. No dia 2 de maio, ela resolveu não indiciar o desembargador e remeter os autos para a Justiça “comum”, uma vez que o magistrado perdeu o foro privilegiado com a aposentadoria no dia 8 de abril. Juiz de uma das varas criminais de Campo Grande, portanto, ficará responsável por decidir se a investigação contra Divoncir Maran prosseguirá ou não.

Conforme registrado por Maria Isabel no despacho, relatórios da Polícia Federal detalham “a forma como a vantagem teria sido auferida, revelando indícios típicos de lavagem de capitais por meio da modalidade ‘gado de papel’”.

A ministra traz então trecho do documento redigido pela PF, dizendo que o filho mais velho do magistrado, Vanio Maran, que também foi alvo da Operação Tiradentes, no dia 8 de fevereiro deste ano, atuava como “operador” das estratégias usadas pelo pai para a “lavagem” de dinheiro.

(...) os elementos de prova colhidos antes da deflagração da Operação Tiradentes [deflagrada no dia 8 de fevereiro], notadamente os dados obtidos por meio da quebra de sigilo bancário e fiscal dos investigados, possibilitaram a identificação de possível atuação de membros da família do desembargador, mormente de seu filho mais velho Vanio Cesar Bonadiman Maran, no recebimento e ocultação da propina advinda da venda de sentença”, diz o texto policial.

Quando autorizou os mandados de busca e apreensão cumpridos em fevereiro, a ministra já havia destacado que o filho do desembargador movimentou R$ 1.074.532,05 em suas contas bancárias no período de nove meses (junho de 2021 a março de 2022), e no mesmo período, declarou à Receita Federal que seus rendimentos mensais não ultrapassam R$ 7.687,50.

“A respeito de Vanio Maran, a autoridade policial rememora que os indícios coletados pela Receita Federal do Brasil permitiram identificar, por meio das várias transações financeiras suspeitas detectadas, especialmente aquelas que envolvem o recebimento de quantias consideráveis em espécie, incompatíveis com os rendimentos declarados, a sua provável condição de ‘principal operador’”, diz outro trecho trazido na decisão mais recente.

Vanio Maran, filho mais velho do desembargador (Foto: Divulgação)

Suspeita de venda – Divoncir é investigado pela decisão que concedeu prisão domiciliar ao narcotraficante Gerson Palermo. Com pena de 126 anos de prisão, ele acabou fugindo.

Primeiro, a legalidade da decisão passou a ser apurada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Noutra frente, na esfera criminal, o STJ autorizou a Operação Tiradentes, realizada pela PF (Polícia Federal) e Receita Federal em 8 de fevereiro, que investiga movimentações financeiras atípicas do desembargador e familiares.

O STJ também determinou que Divoncir ficasse afastado até a aposentadoria. Contudo, no dia 3 de abril, ele voltou ao cargo no Tribunal de Justiça por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). O desembargador se aposentou em 8 de abril, dois dias após completar 75 anos, idade limite para a prática da magistratura.

O habeas corpus – Em 21 de abril de 2020, ainda no início da pandemia do coronavírus e feriado de Tiradentes, Palermo foi enquadrado no grupo de risco para a covid e obteve prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico. A decisão aconteceu durante o plantão de Divoncir.

No habeas corpus, a defesa alegou que Palermo tinha mais de 60 anos, sofria de diabetes, hipertensão e por isso corria risco de contrair a covid-19 no cárcere. No dia seguinte, 22 de abril, o desembargador Jonas Hass Silva Júnior, relator do processo, revogou a liminar e restabeleceu a prisão, mas 8 horas após o benefício do regime domiciliar, o “chefão” do tráfico já havia rompido a tornozeleira eletrônica e desaparecido.

Gerson Palermo é piloto de avião, acumula passagens pela polícia desde 1991 e é chefe do tráfico de cocaína. O crime mais ousado foi no ano 2000, quando sequestrou um Boeing da Vasp.

Outro lado – O advogado André Borges, que representa o desembargador, considerou que a decisão do STJ correta, “ao enviar tudo para o foro estadual”, e garante que o cliente conseguirá provar a inocência. “Divoncir está tranquilo, sabendo que os fatos serão esclarecidos. Inexistiu qualquer crime, como sempre repetido”.

O responsável pela defesa do magistrado diz ainda que “a investigação até agora foi confusa e recheada de suposições”. “Mas há tempo para que a verdade apareça”, completou.

Benedicto de Figueiredo, que advoga para Vanio Maran, disse que já esperava a “descida” do inquérito para a 1ª instância. Afirma ainda que “toda e qualquer insinuação de que meu cliente seria um operador de lavagem de capitais, não é verdadeira” e que a “investigação é incompleta com relação a atividade financeira” do filho de Divoncir, que é advogado e também trabalha no ramo agropecuário.

O advogado afirma ainda que o uso da modalidade “gado de papel” por parte da Vanio para suposta lavagem de dinheiro é acusação “completamente inverídica”. “Meu cliente atua também na atividade agropecuária, sendo completamente impossível qualquer tipo de conotação que venha macular a imagem dele no sentido contrário. Tudo isso já foi demonstrado para a Polícia Federal. O que me causa estranheza é essa documentação não ter sido encaminhado pela PF à ministra”.

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