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Tantos nós habitam os educadores populares

Por Hélen Fagundes da Silva (*) | 15/04/2024 09:00

Este texto apresenta um recorte da monografia escrita pela autora e busca trazer ao debate a Educação Popular como uma alternativa pedagógica para as aulas de Geografia. 

Sendo mobilizada pela compreensão de que a socialização de trajetórias docentes é indispensável para o processo formativo de educadores populares, fez-se uma investigação apoiada no método (auto)biográfico, a partir do dispositivo das narrativas, para conhecer histórias de vida de três professores de Geografia que têm na Educação Popular sua principal base para a prática docente. 

Esta pesquisa transita entre a importância de se auto refletir, não só como professores e professoras de Geografia, mas também nas múltiplas esferas de ser-no-mundo. O termo auto utilizado entre parênteses representa o duplo significado que a (auto)biografia proporciona, entre aquele que narra e auto reflete sobre si a partir de sua história de vida e aquele que escuta e também se ressignifica a partir do outro. 

Esta experiência revela o real milagre dos encontros dentro e fora da Geografia que nos transformam, tal como a Geografia auxilia-nos a realizar uma leitura crítica dos espaços e tempos em que vivemos.

Com base nas narrativas produzidas, percebeu-se que as urgências do nosso tempo exigem uma formação reflexiva e a construção de alternativas que têm de estar junto da vida do educador e da educadora e dos saberes necessários à profissão docente nos dias de hoje. 

Esses saberes são aqueles que nos fazem querer ensinar com sentido e compromisso, fora dos padrões impositivos e sem liberdade. Afinal, as escolhas entre uma Educação Popular e uma educação bancária são construções feitas ao longo do percurso de nossa vida.

A formação de educadores populares dentro do contexto do ensino de Geografia é apenas uma ponta dos muitos fios que se enrolaram ao longo da investigação, especialmente no que alcança a compreensão de que é possível aprender a ser educador sobre e com a própria vida. 

Josso (2004), apresenta figuras de ligação e nós (auto)formativos que foram utilizados para análise das narrativas produzidas, na qual dois nós despontam nestas histórias de vida: o nó de cabestan e o nó górdio. Isso porque o nó de cabestan mostra-nos a maneira como ao longo do curso de nossas vidas escolhemos os portos onde iremos atracar e permanecer por determinado tempo, mas sabemos que chegará a hora de partir, ainda que possamos revisitá-los em nossas memórias.

O nó górdio, por sua vez, diz respeito aos laços que não desatam, são laços familiares, transgeracionais, de amizade, afetivos, religiosos, tecidos involuntariamente com pessoas que estiveram ao nosso lado por muito tempo e conquistaram um lugar em nossas vidas. É difícil desligar-se ou distanciar-se de um nó górdio, pois os laços construídos são fundadores e existimos perante eles. 

Desligar-se, portanto, nem sempre é possível, mas religar-se a partir da reflexão sobre este laço representa uma maneira possível para desfrutar de outros espaços de liberdade e assim habitar nossa existência.

Os nós (auto)formativos presentes neste texto representam deslocamentos entre ligar e religar os laços que auxiliaram os professores narradores a perceber que é possível aprender a ser educador sobre e com a própria vida. Trata-se, portanto, de compreender o movimento interno de cada sujeito no fortalecimento e empoderamento enquanto docente em constante transformação e ressignificação de suas ações.

Como o nó de cabestan sugere, neste ponto chegamos ao momento em que precisa-se partir, aquele porto onde estávamos atracados já não responde todas as perguntas de nossa existência; por isso, é preciso buscar novos horizontes. O nó górdio, por mais que não desate, também não limita, ele é um nó formador na primeira parte de nossas vidas.

Eis o fio puxado deste nó de cabestan vivenciado pelos professores narradores: a tomada de consciência em relação à Geografia. Fica evidente nas três narrativas o lugar especial que a Geografia assume ao ser uma ferramenta de compreensão das realidades e a maneira como isso influencia em sua prática docente. 

Este aprendizado quanto às construções feitas através da Geografia leva os professores à busca de uma Geografia com sentido na já revelada dimensão de seu ser-no-mundo, não apenas para si, mas no encontro com o outro.

Para os três professores, os encontros com esses outros que tiveram ao longo do tempo de escola e universidade foram essenciais. O que os três professores narradores têm em comum nesse encontro é a inquietação quanto ao seu papel na vida social. 

Essa inquietação com a universidade, a Geografia e o ser professor é o que os leva a buscar outros espaços educativos que dialoguem com a educação que acreditam. É quando encontram-se com a Educação Popular.

Este nó da Educação Popular chamamos nó de pertencimento, sendo ele um conjunto de todo o percurso de vida familiar, escolar, universitária e cotidiana que fez com que os três professores convergissem neste espaço formativo – declaram ser nele que passam a se entender educadores. 

Através da escuta das narrativas percebe-se as relações entre vida pessoal, formativa e profissional no caminho percorrido pelos professores de Geografia para se tornarem educadores populares. Esta compreensão enquanto educador ocorre porque estão em movimento, sempre em busca de respostas sobre seu ser-no-mundo para produzir significados em suas aulas.

Eis que a Educação Popular mostra-se como um elo que aproxima três histórias de vida muito distintas (sujeitos de gênero, classe e raça diferentes) no reconhecimento de si como educador/a e no seu significado social. 

Talvez esteja neste enredo de tramas a grande descoberta a respeito de se tornar professor: sempre transformar-se por meio de novas perguntas que nos levam à reflexão do eu. Eis aqui a dimensão do ser-no-mundo, do movimento não apenas para si, mas no encontro com o outro, entre tantos seres, de carne, afeto e verdade, e entre tantos laços que nos sustentam.

(*) Hélen Fagundes da Silva é licenciada em Geografia e mestranda em Ensino de Geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRGS.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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