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Pensei no índio Brand hoje

Por Laerte Tetila (*) | 09/07/2012 08:50

Já faz uma semana que Antônio Brand, o intelectual que honrou a ciência humana, despediu-se.

Hoje pensei nele, nesse branco de alma guarani-kaiowá, nesse amigo e irmão de caminhada. E continuarei a pensar no Brand pelo resto da minha vida, porque nos amigos a gente pensa a todo instante.

Acredito que todo o Mato Grosso do Sul, principalmente a juventude, há de sempre reverenciar esse mestre de todos nós, um mestre internacional, pois suas ideias transcenderam, correram o mundo em defesa dos aborígenes e somaram-se aos humanistas que contribuem verdadeiramente para elevar a formação dos povos, refinar o espírito humano e enriquecer o processo civilizatório.

Brand tinha claro que a sociedade ocidental construi o império da razão, mas destruiu os valores do coração. Ele sabia que a pós-modernidade trouxe tecnologias avançadas, mas também a perda de valores que só fez ampliar a intolerância e o preconceito contra os diferentes.

Como cristão, Brand tinha na alma o sentimento de que nós somos feitos da mesma argila e, para os que pensam como ele, a tolerância e o respeito para com os diferentes de nós devem estar absolutamente assegurados entre nós.

Para alguém com a dimensão de Brand, ninguém nasce para sofrer abusos ou suportar humilhações. E a dor mais sentida, a que mais dói na alma, é a dor do preconceito. E Brand doou a vida na luta contra esse mal que ainda humilha, viola direitos, avilta e subtrai a esperança de comunidades inteiras.

Como poucos, Brand, um professor com doutorado, soube valorizar o diálogo que, para ele, não significava apenas conversa, mas se colocar no lugar do outro para compreendê-lo e ajudá-lo na superação de suas angústias e de seus problemas.

Daí o imenso carinho que colheu junto aos índios. Brand, desde muito jovem, aprendeu que cada cultura tem o seu modo próprio de ser, pensar e agir, e que nenhuma cultura é perfeita. Queria que todos reconhecessem que somos uma cultura possível.

Ele sabia que as pessoas de culturas diferentes usam lentes diferentes e, portanto, têm visões diferentes do mundo e das coisas. Para Brand, ninguém tem culpa de ser diferente. E ser índio, por exemplo, é pertencer a um povo, um povo que não pode ser tratado como estrangeiro em sua própria terra natal, um povo que tem o sagrado direito de conduzir o seu próprio destino.

Certamente, para Brand, os indígenas não têm culpa de não pertencerem a uma cultura estranha, uma cultura com a estranha mania de envenenar o solo, a água, o ar, os alimentos e fabricar a bomba atômica.

Brand se condoía diante do processo que força os índios a desaparecerem da face da terra como o orvalho diante do sol. Sabia Brand que era impossível esperar de um povo que nascera em liberdade aceitar o confinamento, pois seria o mesmo que esperar que os rios corram ao contrário.

O historiador Brand, o estudioso Brand da nação guarani-kaiowá, o Antônio Jacó Brand que faleceu no último dia três de julho no Rio Grande do Sul, estado onde nascera há 62 anos, tinha a simplicidade dos sábios, a tolerância dos pacificadores e o coração dos aficionados pela cultura da paz.

Acho que Antônio Brand partiu sem ver a tão almejada felicidade plena dos povos indígenas que ele tanto amou nesta vida.

(*) Laerte Tetila é mestre em geografia física pela USP e deputado estadual (PT/MS)

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