Artigos

Patrimônio cultural em jogo de RPG

Ana Carolina Gelmini de Faria e colaboradores (*) | 25/09/2021 15:19

Role-Playing Game (RPG), em tradução livre “jogo de interpretação de papéis”, é um jogo no qual um grupo de pessoas se reúne com o objetivo de contar histórias. Trata-se de uma atividade colaborativa, em que uma pessoa assume o papel de narrador/mestre e guia os demais jogadores em uma jornada com diversos desafios. Por meio da interpretação, os participantes dão vida a seus personagens, e as regras/sistemas servem de guia para a resolução de problemas pelo uso de dados, cartas, palitos e outros acessórios.

Criado na década de 1970 nos Estados Unidos da América (EUA) por Gary Gygax e Dave Arneson, o primeiro RPG intitulava-se Dungeons and Dragons (D&D) e contava com um cenário medieval com toques de fantasia, inspirados por histórias como as escritas por J. R. R. Tolkien. Graças a sua popularidade, diversos outros sistemas e cenários foram sendo lançados. O RPG chegou ao Brasil ainda na década de 1970 por intermédio de estudantes de intercâmbio que conheceram o jogo no exterior. Na década seguinte, ele começou a ser comercializado no país, porém ainda sem tradução. Somente em 1991 foi feita a primeira tradução oficial de um RPG, o que facilitou sua popularização no Brasil.

Graças ao seu caráter colaborativo e à sua dinâmica – que permitem o crescimento pessoal do jogador, desenvolvendo habilidades como liderança, trabalho em equipe, comunicação, raciocínio lógico -, diversas áreas começaram a incorporar o RPG em seus estudos e práticas. A Educação, por exemplo, vem se apropriando desse jogo como uma ferramenta pedagógica desde a década de 1990, sendo seu primeiro estudo conhecido a tese de Sônia Rodrigues intitulada “Roleplaying Game e a pedagogia da imaginação no Brasil” (1997), a qual deu origem ao livro de mesmo título em 2004.

No Brasil e no exterior, a popularidade do RPG tem gerado resultados no sentido da construção de um alicerce acadêmico e experimental para a consolidação dessa prática como uma inovadora alternativa de ensino-aprendizagem, diversificando o repertório do educador.

Na dinâmica dos jogos de representação e interpretação de personagens de histórias interativas, em que a narrativa é estabelecida por todos os participantes, o RPG potencializa a criatividade, a cooperação, a sociabilização e o aprendizado de conteúdos de diversas disciplinas. 

O projeto de extensão “RPG na educação: jogos com patrimônio e Ciências da Informação” foi idealizado pelo Centro Acadêmico de Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia (CABAM) e por egressas dessas formações, em conjunto com o curso de Museologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem o objetivo de desenvolver, em caráter multidisciplinar, enredos de RPG educacional com ênfase em narrativas que abordem o patrimônio cultural preservado em instituições de memória, como arquivos, bibliotecas e museus. Assim, ao compreender o RPG enquanto instrumento de ensino-aprendizagem, elaboram-se situações-problema que implementem uma prática educativa que compreenda, reconheça e difunda as complexidades e mudanças da comunidade em diferentes aspectos, destacando a relação sujeito e objeto, nesse caso, a cidade de Porto Alegre. 

A iniciativa é direcionada a jovens do ensino médio, universitários, professores, além de público espontâneo dos espaços culturais e interessados em história pública. O projeto busca desenvolver ações voltadas ao planejamento de oficinas em ambientes escolares e institucionais; pesquisas sobre as temáticas tratadas; a construção de enredos de RPG; capacitação para a função de oficineiros (mestres de RPG); e a produção de material didático e de divulgação. 

Observando o RPG como prática democrática plural de convivência e de uma consciência de identidade local que valoriza a história pública, a concepção do nome popular do projeto, XP em Porto, caracteriza-se por utilizar a sigla “XP”, cujo significado é de conhecimento, com o acréscimo do termo “Porto”, amplamente utilizado em figuras de linguagem de porto-alegrenses para representar a capital. Já o símbolo usado no logotipo remete à maquete de um dado D20, utilizado no RPG, que aqui representa as diversas conexões. Assim, a proposta do nome e do símbolo é de conectar o conhecimento do patrimônio em jogo. O primeiro desafio centra-se na produção de um enredo de RPG sobre Porto Alegre no período da Ditadura Militar, tornando-se uma ferramenta para reflexões desse período histórico a partir de evidências culturais. 

O XP em Porto está alicerçado nos estudos do Patrimônio Cultural e da Educação Museal. Acredita-se que, através de estratégias que valorizem a educação não formal, haja, em propostas como a apresentada, o compromisso com a formação cultural e social do ser humano a partir de experiências.

Estas, promovem diálogos, reflexões, autonomias, comportamentos que todo e qualquer cidadão tem o direito de vivenciar nos espaços de memória. A produção de discursos e consciências ganha um sentido mais forte quando é adotada uma postura interacionista, pela qual todos os sujeitos envolvidos na experiência proposta trocam ideias, informações, interpretações, provocando a expansão do conhecimento e a multiplicidade de significados sobre o patrimônio que nos cerca.

Trabalhar na perspectiva da Educação Museal é lidar com a produção do ser humano e com a necessidade de aberturas deste para o mundo, por meio do aprendizado e da vivência de heranças culturais, do conhecimento cultivado, da construção de convivências sociais. A proposta do XP em Porto é aproximar, pela criatividade, as pessoas dos bens culturais da cidade de Porto Alegre e, nessa relação, homenagear, denunciar, debater e despertar um exercício crítico da história ao interpretar suas ressonâncias.

O aprendizado não se limita aos resultados, mas, especialmente, aos processos. O XP em Porto é um desafio para a equipe comprometida com a produção e difusão de conhecimento científico, com os direitos humanos, com o direito à memória e com a formação crítica do cidadão. Nos acompanhe nas redes sociais e faça parte desse processo coletivo conosco!

(*) Ana Carolina Gelmini de Faria é docente do Curso de Museologia do Departamento de Ciências da Informação.

(*) Amanda Schmidt Carvalho Polonia é bibliotecária formada pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.

(*) Gabriela Prates da Silva é bibliotecária (CRB-10/2660) formada pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.

(*) Lucas Quadros Petry é discente do Curso de Arquivologia do Departamento de Ciências da Informação vinculado à Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.

(*) Márcia Regina Bertotto é docente do Curso de Museologia do Departamento de Ciências da Informação.

Nos siga no Google Notícias