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O princípio da presunção de inocência e o STF

Fábio Andrade | 09/10/2016 11:25

O Direito é dialética, premissa que leva à conclusão, baseado nos argumentos apresentados e, algumas vezes, é influenciado pelos acontecimentos, pela evolução social, pelo clamor popular.

A História Constitucional brasileira democrática é recente, datando de outubro de 1988, quando veio à lume a Constituição Federal, chamada de "constituição cidadã" por Ulisses Guimarães. Com ela, tivemos o advento de uma nova ordem jurídica, constituindo a Constituição Federal o ápice da pirâmide jurídica, no ensinamento do jurista alemão Hans Kelsen. Significa isso que todas as normas de hierarquia inferior passaram a ser interpretadas com base no comando constitucional. A mudança levou tempo e ainda está em andamento.

Sendo a Constituição Federal recente, passou ela a conflitar com as leis anteriores, como, p.ex., o Código Penal brasileiro, que foi instituído em 1940, sofrendo uma reforma em sua parte geral no ano de 1984. Os influxos que determinaram o surgimento do Código Penal e da Constituição Federal de 1988 foram muito diversos, pois o primeiro é fruto de uma realidade muito distinta da última. Porém, devendo a Constituição nortear as normas inferiores, como é o Código Penal, é natural que surjam dificuldades e se façam necessárias evoluções interpretativas.

Desponta, então, a atuação do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição, sendo um Tribunal de convergência ou de superposição, tendo o poder de rever as decisões das mais altas Cortes do Brasil. Nesse espeque, repercutiu no cenário nacional a decisão da Suprema Corte, por apertada maioria, que entendeu ser possível a prisão do réu após a decisão de segunda instância mas antes do trânsito em julgado.

A presunção de inocência ou de não-culpabilidade, no ensinamento de alguns processualistas, está prevista no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, dizendo que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória." Significa tal princípio que em regra o autor de uma infração penal somente deve ser preso após a observância do devido processo legal, sendo presumido inocente até prova em contrário. Isso por que o processo penal não deve punir inocentes. Tal regra aplica-se também à prisão provisória, que é aquela que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

O artigo 283 do Código de Processo Penal, por sua vez, dispõe que "ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva". O Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 283 citado não impede o início da execução da pena após a condenação em segunda instância, dando uma interpretação conforme a Constituição. Entendeu o Ministro Edson Fachin, em seu voto, que o início da execução penal é coerente com a Constituição Federal quando houver condenação confirmada em segundo grau.

O Ministro Luís Barroso defendeu a garantia da efetividade do processo penal e dos bens por ele protegidos. Gilmar Mendes seguiu a linha de que a execução da pena com decisão em segundo grau não deve ser considerada como violadora do princípio da presunção da inocência. Houve uma modificação na jurisprudência do Tribunal, já sinalizada quando do julgamento do HC 126292, quando o Plenário entendeu no sentido da decisão agora confirmada. Desde 2009 o STF condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, ressalvando a possibilidade da prisão preventiva (HC 84078).

A decisão foi elogiada por muitos e criticada por outros tantos, estes entendendo que a Corte estaria legislando, sendo mais uma decisão política do que jurídica. Creio que deveria ter havido o reconhecimento expresso de ser o artigo 283 do Código de Processo Penal inconstitucional, o que não foi feito por nenhum dos Ministros.

*Fábio Andrade Especialista em Direito Penal e Processual Penal Advogado-sócio do escritório Agnelli & Andrade Advogados

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