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Marchinhas do coração

Por Francisco Habermann (*) | 27/02/2017 08:46

Sei que existem as marchinhas preferidas do coração. São as do passado ou do presente, mas não é delas que quero falar, e, sim, do sofrido coração brasileiro.

O coração humano aguenta tudo, inclusive a alegria inconsequente, dita carnavalesca. Aliás, a ideia está deslocada nos dias de hoje. Está difícil imaginar alegria com tantas dificuldades na nossa vida cotidiana, respeitados os admiradores do belo e elogiado ritmo musical brasileiro. Aqui, quero apenas lembrar do coração – o motor da vida.

Sendo meu coração do tempo antigo – modelo 1942 – já com desgaste pelo uso contínuo, vem reclamando novos andamentos ou marchas. Nada grave como foi o descrito pelo Carlos Drummond de Andrade – coração modelo 1902 - quando resolveu substituir o seu original por um de plástico e isopor que, uma vez instalado no peito ( ele não explica como ) e desligado o original, tornou o nosso poeta insensível aos sofrimentos humanos. Quem quiser saber como ele resolveu a parada é só reler a crônica “Coração segundo”, da sua obra “70 historinhas” ( Ed. Record, 1994 ). E não foi com marchinhas, adianto.

Cá entre nós, quem reforçou nosso coração diante dos sofrimentos humanos foi um francês. Agiu também no coração, sem substituí-lo, entretanto. Procurou elevar nossa sensibilidade com um carnaval, mas sem cair na galhofa. Camille Saint-Saëns compôs a belíssima obra musical “Le Carnaval des Animaux” ( O carnaval dos animais ), em especial o seu lindo adágio “Le Cigne” (O Cisne).

O compositor francês atende bem aos anseios de quem não despreza o ânimo salutar mas repensa a alegria inconsequente. Seus acordes atendem melhor a alma sofrida e cansada, quase exausta, do brasileiro. E lembra - a propósito - o carnaval de amor sensível do cisne nas águas do lago da vida...

O tema musical de “O Cisne” é um bom alento para os batuques do coração. É inspirador e oferece ao nosso espírito o repouso tão necessário, longe da agitação psíquica descompromissada que adentramos nessa época.

Vale lembrar, hoje, que num momento político-econômico nacional extremamente crítico que vivemos impõe-se a ponderação responsável. Experimente ouvi-lo e comprove, seguindo o ritmo da sua própria sensibilidade. Seu coração agradecerá. O tema musical de “O Cisne” é um bom alento para os batuques do coração.

Com ou sem marchinhas...

(*) Francisco Habermann é médico e professor da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu (SP)

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