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Golpe (in)certo na memória

Por Adilson Roberto Gonçalves (*) | 18/03/2018 10:15

Uma das principais ferramentas matemáticas é a estatística, que lida basicamente com incertezas. No plano científico, utilizando-a, sabemos os limites de uma técnica e a abrangência dos resultados obtidos. Na sociedade, a incerteza não é tão facilmente traduzida pela lógica ou por equações, o que nos remete à sensação de que tudo pode acontecer. Neste ano em que supostamente teremos eleições gerais – a própria eleição já é uma incerteza – há duas outras questões principais: a) quais candidatos se apresentam ou poderão se apresentar e b) a definição e dimensão do golpe.

Em muita coisa o TSE deveria mexer para coibir propaganda enganosa, uso do poder econômico e fraude eleitoral. Agora, intervir nos princípios da estatística e das ciências sociais é reforçar o estereótipo daquilo que advém de cabeças de juízes. Como bem mostram os argumentos contrários, as correlações para entender as decisões e os movimentos do eleitor vão muito além da pergunta nua e crua sobre em quem votará. O poder não eleito vai aprontando mais uma das suas e sem precisar de pesquisa de opinião. Ao menos o TSE voltou atrás nesse quesito.

No início de março, a Folha de S. Paulo fez interessante levantamento em relação à forma, dividida, como os magistrados do STF veem a prisão antes de esgotados os recursos legais. Porém, o desempenho jurídico no Brasil está mais perto da lei de talião e muito longe dos julgamentos em seriados policiais norte-americanos.

O risco de que não haja eleições este ano vai se materializando, pois até a rampa do Planalto está com rachaduras e não poderá ser usada. Brincadeiras à parte, a consolidação de Lula como o candidato preferido pela maioria dos eleitores, independente da confirmação da condenação, revela a orquestração para seu impedimento. E, se não for possível, que se achem motivos à la 1964/1968 para que a segurança nacional fale mais alto do que a democracia. A entrevista com Lula na íntegra, não o extrato publicado no início do mês, é esclarecedora no que o ex-presidente pensa de Ciro Gomes e do rito judicial. Pena que poucos irão verificar isso, tecendo suas conclusões apenas com o filtro e, pior, com a opinião de outros, sem buscar a fonte.

Em relação a alguns outros supostos candidatos, Marina Silva mostra que atende mais a seus próprios interesses do que aos da causa ambientalista. A busca desenfreada pelo novo, com a bíblia na mão e Aécio Neves no coração, transformou-se em anedota política. Ademais, como se propor a terceira via se nem a primeira e a segunda estão claramente definidas? Considerando que também é um potencial candidato, faltou a Michel Temer deixar claro de qual país está falando em seu artigo “Ordem é progresso” de 1/3. Antecipando em um mês o Primeiro de Abril, conseguiu converter até o rebaixamento do Brasil em fato positivo, uma vez que o povo e os mercados já anestesiados mantiveram a resignação. Tudo o que tem sido criticado na condução das políticas sociais foi convertido em conquista. E o que adianta falar de combate à criminalidade se a pior quadrilha continua a comandar o país em Brasília? Falácias, apenas, a duras penas!

Quanto à revisitação história de golpes políticos passados, há destaque para os de 1964, de 1968 (o golpe dentro do golpe) e o controverso golpe de 2016, ainda em curso, segundo muitos estudiosos do mundo todo. No entanto, a Folha parece propalar o comportamento de avestruz ao não enxergar todos os sinais semelhantes ao período pré-ditatorial de 1964. Deposição de governo legítimo por motivos fúteis, proliferação do discurso militarista, religioso e racista, e, ainda a precarização dos ativos do patrimônio dos brasileiros. Reconhece ao menos que aquele período foi uma ditadura e não a versão de “ditabranda” que defendeu tempos atrás. Talvez acerte em uma coisa: já superamos o novo 1964 e vivemos 1968, o golpe dentro do golpe.

Por fim, Hélio Schwartsman tem razão em trazer à tona o relativismo de convicções em sua crônica “A novela do golpe”, de 13/3. Da mesma forma que muitos dizem que 1964 foi uma revolução e não um golpe, os defensores do impeachment de Dilma Rousseff morrerão – ainda que tardiamente – afirmando que o processo foi legal, seguindo o livrinho, mas com uma quebra constitucional no final ao não retirar os direitos políticos dela. O assopra depois do bate, claramente com o objetivo de retirá-la do poder, e não para seguir os trâmites necessários para o bem da nação. E, permitindo-me o plágio senatorial, com Supremo, com tudo!

(*) Adilson Roberto Gonçalves é pesquisador no IPBEN – Unesp de Rio Claro, membro da Academia Campineira de Letras e Artes e da Academia de Letras de Lorena.

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