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Ações afirmativas nas universidades brasileiras

Por José Goldemberg (*) | 04/08/2016 09:40

Um relatório de 2013 sobre a questão das ações afirmativas em universidades brasileiras preparado a pedido da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (clique aqui para acessar o documento) traz elementos ainda muito úteis para o debate do tema, que está longe de ter se esgotado. Vale a pena retomá-los.

Ele começa lembrando a origem das ações afirmativas nos Estados Unidos tomadas em 1961 pelo presidente Kennedy, como parte de diversas políticas públicas com o objetivo de diminuir as tensões sociais resultantes da discriminação racial, que em alguns Estados naquele tempo ainda tinham características similares às do regime de apartheid.

O estabelecimento de cotas tem sido um recurso de que se têm valido diversos países para assegurar maior participação de contingentes demográficos que sofrem com discriminação nas atividades de empresas e governo, como mulheres ou pessoas com deficiências físicas. Nesse mesmo contexto enquadram-se as cotas raciais ou sociais no acesso a universidades, utilizadas de diversas maneiras por diferentes nações.

A Constituição brasileira de 1988 estabeleceu reserva de vagas para deficientes físicos, que passou a ser adotada em concursos públicos, com a ressalva de que o emprego ou cargo a eles destinados não exija plena aptidão física. Isso marcou o início da reserva de vagas para grupos específicos no Brasil.

Com o tempo, outros grupos sociais passaram a pleitear a cotização de vagas para “garantir” uma participação mínima em determinadas instituições, como as universidades públicas.

A introdução de cotas sociais ou raciais afeta as diversas carreiras das universidades de forma muito diferente e não há dúvida de que cria o risco de permitir o acesso de alunos não suficientemente preparados para acompanhar os cursos em detrimento de outros que foram excluídos por causa das cotas.

Existem várias análises sobre o aproveitamento dos “cotistas” nas universidades onde as cotas já foram implantadas. Ainda é cedo para se ter clareza sobre esta questão, mas pesquisas mostram que:

- A nota média dos concluintes das universidades estaduais e federais que ingressaram por meio de ações afirmativas em testes de conhecimentos gerais é menor do que a de concluintes que ingressaram pelo método convencional.

- Para ingresso nas universidades por meio do Enem, dados preliminares mostram que a nota de corte para os cotistas é praticamente igual à nota de corte dos não cotistas. Se confirmados, estes dados mostram que a criação de cotas é no fundo irrelevante, porque não dá vantagens especiais aos não cotistas.
No entanto, os dados do relatório de 2013 mostram que, para cursos como medicina, engenharia e direito, as notas de cortes são diferentes.

Por outro lado, criar cotas sociais e raciais a curto e a médio prazo tende a baixar o nível de universidades e deixa a desejar em muitas áreas.

Introduzir cotas nas universidades públicas brasileiras como instrumento para compensar/corrigir discriminação racial ou social é muito mais fácil e menos oneroso do que corrigir o problema fundamental, que é tornar o ensino médio melhor, dando mais oportunidade para os estudantes de menor renda. O grande problema, de fato, é melhorar a qualidade e a equidade do ensino fundamental e médio para que todos tenham as mesmas oportunidades no acesso ao ensino superior.

As principais conclusões do relatório são as seguintes:

- Com base na experiência nacional e internacional, a introdução de cotas sociais ou raciais não é o melhor instrumento para facilitar o acesso às universidades, conforme se pretende.

- Cotas não garantem que os alunos cotistas tenham o desempenho esperado, o que acaba por encorajar a evasão. Isto ocorre particularmente nos cursos mais competitivos (medicina, engenharia e direito), podendo, inclusive, levar a uma redução da qualidade dos cursos.

- É necessária e urgente a reestruturação do ensino básico e fundamental.

- A discriminação social ou racial no Brasil, que é uma realidade incontestável, deve ser eliminada, sim, mas não apenas com foco no acesso às universidades públicas.

- O problema das cotas é complexo e as decisões a serem implementadas não devem prejudicar o desempenho das universidades públicas, cuja excelência é indispensável para o desenvolvimento do País.

(*) José Goldemberg é ex-reitor da USP e presidente da Fapesp

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