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"Adolescente tem que ser preso". Seria mesmo uma solução?

Por Ana Maria Assis de Oliveira (*) | 10/10/2014 11:10

Muitas pessoas falam de uma forma superficial sobre impunidade, defendem que nossas leis são “fracas”, sendo que a maioria sequer leu um artigo da legislação brasileira.

Assunto abordado por diversos candidatos durante a campanha política, sobre a redução da maioridade penal, por exemplo, as argumentações são no sentido de que o adolescente não permanece na unidade de internação por muito tempo e logo depois comete outro ato infracional. "O guri nem fica preso e já tá na rua aprontando de novo".

Certo dia, ouvi da mãe de um adolescente: "Essa gente parece que não tem filho, não tem sobrinho, não tem família. Porque entra nessa vida qualquer um, tem rico e tem pobre nessa vida!", se referindo ao uso e ao tráfico de drogas.

Mas, voltando ao assunto da "prisão" desses adolescentes, é ignorado o fato de que as unidades de internação estão superlotadas, em péssimas condições de habitabilidade, que a estrutura que o Estado oferece para socioeducação destes adolescentes não comporta as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), e que desta forma, fica impossível aplicar o que está escrito na legislação.

Será que o problema é a lei mesmo? Antes de responder esta questão, poderíamos cobrar o cumprimento da lei, quem sabe ela sendo cumprida traria melhores resultados. Nós nem a conhecemos sendo aplicada. Isso sem contar que estes adolescentes têm histórico de direitos constitucionais violados desde a infância, portanto, é lei sendo descumprida desde o início.

Mas quando é o hipossuficiente que descumpre a lei, e não o Estado, opa! Aí a sociedade revoltada, que quer “ir pra rua” e levantar bandeiras, aparece. Onde estava todo mundo quando este ser humano que cometeu um crime, na época em que era criança, estava abandonado na rua a mercê de usuários de drogas e traficantes? Cadê o interesse sobre a realidade de quem está à margem da sociedade?

É um ciclo vicioso, uma situação de vulnerabilidade que passa de pai pra filho na periferia de Campo Grande e de todas as cidades do país. E você aí, parado, achando que isso nunca vai te atingir de alguma forma, até que é ameaçado com uma arma na cabeça. E se a lei for mais dura, depois que você levar o tiro, o “bandido” vai pra cadeia, mas e daí? Uma lei mais dura pode representar uma boa vingança, mas não vai trazer o milagre da ressurreição.

E não pense que o infrator vai deixar a criminalidade por medo de prisão. Eles já apanham muito, e não tem medo de nada, afinal: diferente de você, eles não tem nada a perder nesta vida.

Nascer e crescer com direitos violados não faz bem a ser humano algum. Nós, que exercemos atividades lícitas e seguemos a vida com dignidade, não sabemos como seríamos se estivéssemos no lugar dessa gente.

Eu acredito que o problema está em quem tem oportunidade de buscar saber como as coisas realmente funcionam, mas prefere reivindicar o que lhe vem à cabeça. O que resulta na inércia do Estado, que aproveita a ignorância do povo pra abandonar a questão, ou estimular a ideia de que pra resolver o problema da segurança pública é só “enjaular” mais gente, isso dá muito menos trabalho.

As medidas socioeducativas, as garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente assim como os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, caso aplicados com responsabilidade, aceitos pela sociedade, estudados em conjunto com os profissionais de áreas interdisciplinares como psicólogos e assistentes sociais, assim como previsto na legislação, poderão cumprir verdadeiramente o papel de socioeducação desses adolescentes que, muitas vezes, sem afeto familiar e sem compromisso do Estado, acabam por aprender e transmitir o que lhes traz apenas ódio, dor e sofrimento.

(*) Ana Maria Assis de Oliveira, jornalista e assessora jurídica.

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